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Barbara Gleise de Oliveira

1977 - 2020

Viveu com satisfação suas maiores conquistas: o próprio negócio e a filha tão desejada. Não era de desistir.

Apesar de ser amada na mesma proporção que seus outros oito irmãos, Barbara Gleise foi um bebê desejado de uma forma especial, pois a mãe queria muito uma segunda filha.

A expectativa para a chegada de Barbara era tanta, que a mãe quis até colocar nome de estrela de cinema na filha — o que não deu muito certo já que o pai modificou o sobrenome na hora do registro. Mesmo assim “Barbica”, como era carinhosamente chamada, não deixou de ser a protagonista da vida de quem teve o privilégio de conviver com a pessoa vibrante que ela era.

A proximidade que tinha com a mãe se manteve acesa, principalmente porque o elo artístico unia as duas. Barbara até se formou como técnica de enfermagem, mas nunca exerceu a função. Encontrou-se mesmo foi no artesanato, na costura e na confeitaria. Na verdade, tudo que pegava pra fazer, fazia com muita habilidade.

Professora de artesanato por muitos anos, como uma autêntica educadora que tem por missão espalhar seus saberes, “Barbica” não hesitou em ensinar, voluntariamente, os trabalhos manuais que fazia com gosto e vocação a um grupo de idosas. Todo sábado, religiosamente, lá estava Barbara com suas alunas.

Não media esforços para conquistar seus sonhos. Foi nessa garra que a padaria que tanto queria se tornou realidade e o fruto tão desejado de uma relação que durou vinte anos nasceu: Nicole. Ela sonhou com esse nome. Foi a única filha do matrimônio com Rafael Silva, porque Barbara era muito pé no chão e desejava proporcionar um presente e futuro confortáveis para Nicole. E a dedicação com a pequena, nos oito anos que viveu com a filha, era vista por todos que a rodeavam. A corrida para o abraço que dava em Nicole quando ia buscá-la na escola que o diga, parecia cena de filme.

Caridosa, doava o recurso que tinha à disposição para ajudar os de dentro e fora da família. O tempo era sua principal doação. Os clientes, que deliciaram os rocamboles, bolos, cupcakes e outras delícias preparadas pelas talentosas mãos de Barbara, sentem a ausência do doce sabor de seus pratos e do tratamento gentil que recebiam dela.

Nos negócios foi justa, não dava calote nem devia a ninguém.

Mulher de muita fé e garra, a irmã Neyde resume bem como Barbara se portava diante da vida: “Enfrentava dificuldades de peito aberto sempre, nunca caía e ficava deitada. Dava a volta por cima e sacudia a poeira”.

Pouco antes de partir, tinha renovado a casa, pintou o quarto de Nicole e comprou mobília nova. Resta agora o vazio físico de sua presença no novo lar que não teve tempo de desfrutar e nas vidas de todos que a amavam e que aqui ficaram.

Mas, sem dúvida, tudo que Barbara Gleise moldou através de sua arte — seus pratos açucarados e sua alegria de viver — se manifesta de forma invisível, mas ainda assim perceptível na história de cada um que cruzou seu caminho.

Barbara nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu em São João de Meriti (RJ), aos 42 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Barbara, Neyde Aparecida de Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Júllia Cássia Silva Batista, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 9 de agosto de 2020.