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Benedita Maria Mariano

1940 - 2020

Quando se chegava à casa dela, vinha uma paz tão grande. Benedita tinha cheirinho de vó.

Na escola, quando corria a notícia de que a merenda tinha sido preparada pela dona Dita, a fila já começava a se formar logo que dava o intervalo. “Todos os alunos amavam a comida da vó. Era tudo feito com tanto capricho, bem limpinho e temperado”, conta a neta Flávia.

Flávia relata que, enquanto coletava lembranças junto de sua mãe e suas tias – e dentro de si –, “colava os pedacinhos do coração”. São lembranças que falam aos sentidos, como só as mais íntimas e acolhedoras: um verdadeiro colo de vó. O bolinho de frango, bem sequinho. O melhor frango ao molho. O inesquecível sonho de goiabada. O cheirinho de paz de sua casa. Os hinos da igreja que ela assobiava misturados ao som da máquina de costura.

Benedita era uma cuidadora – da família, dos amigos, dos vizinhos, da comunidade. Aposentou-se como merendeira da escola. Costurou a vida toda. “Tenho várias peças feitas por ela, com aquele capricho de sempre”, diz Flávia. Mesmo sendo a caçula, Benedita não deixava de olhar pelas irmãs, visitando-as sempre.

Muito religiosa, na igreja era carinhosamente chamada de irmã Dita. Frequentava os cultos junto com Luiz, seu companheiro por 63 anos. Flávia fala com orgulho da história de amor dos avós: “Uma memória muito querida para todos nós é a da última boda que festejamos em família, nos seus 62 anos de casados. Ela escreveu uma cartinha e pediu que eu lesse para todos os convidados. Não houve quem não se emocionasse. Era um grande amor! Pensávamos que em 2020 haveria uma comemoração ainda maior, mas perdemos os dois… O carinho, amor e cuidado que minha avó teve com meu avô, quando ele adoeceu, foi a maior prova de zelo desta vida. Só quem acompanhou entende o que ela fez, ela se doou até o fim por ele. Nunca mais seremos os mesmos sem o amor deles”.

Flávia conta que Benedita, hospitalizada, falou para a enfermeira: “Quero melhorar logo para fazer sonho para meus bisnetos!”

“Não tem um dia em que eu não pense que a senhora está lá na sua casa, orando por nós. Para sempre, minha amada vó. Minha flor no Jardim de Deus. Ah, que saudade”, despede-se a neta.

- Leia também o tributo a Luiz Mariano, companheiro de Benedita Maria Mariano.

Benedita nasceu em Guareí (SP) e faleceu em Itapetininga (SP), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Benedita, Flávia Aparecida de Toledo. Este tributo foi apurado por Júllia Cássia, editado por Tatiana Natsu, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 23 de fevereiro de 2021.