Sobre o Inumeráveis

Bertolino Oliveira dos Santos

1932 - 2021

Carregava consigo balinhas de iogurte nos bolsos, para sempre ter um docinho a oferecer aos amigos.

Bertolino era casado com Durcia Maia dos Santos, uma mulher nascida no Dia dos Namorados. Quando jovem, trabalhava em atividades comuns da área rural, cuidando de gado e da lavoura, plantando e colhendo. Certa vez, ia passando a cavalo num certo lugar do interior, quando Durcia o viu e acenou para ele.

Voltando para casa, ela contou o ocorrido para o pai, Salvador, que imediatamente chamou o rapaz para conversar — como faziam os pais de antigamente para conhecer os pretendentes de suas filhas. Nessa conversa, ele permitiu o namoro e Bertolino agradeceu dizendo que nunca havia recebido um presente como aquele. Começaram a namorar, casaram-se e viveram juntos até que a morte os separou depois de aproximadamente setenta anos de convivência.

Como marido, Bertolino sempre procurou manter a segurança da mulher e prover-lhe o sustento, assim como dos nove filhos que tiveram: Iria, Madalena, Jair, Paulo, Odete, Manoel, Maria, Adão e Ramiro, sendo os quatro últimos já falecidos. Foi um pai atencioso, um avô que procurou agradar os 19 netos, 26 bisnetos e 12 trinetos que alcançou.

Sempre bem-humorado, corajoso e confiante, nas horas vagas gostava de passear, tocar violão e sanfona, de cantar louvores evangélicos e de contar causos antigos e histórias de lobisomem, boitatá e "corpo seco" que, segundo ele, visualizou num cemitério rural. “Ele contava que o corpo do filho que desobedecia e desrespeitava a mãe não se decompunha na terra após a morte: os ossos viravam arame e permaneciam no formato do esqueleto. Nem a Terra nem o céu aceitavam o corpo do falecido após a morte” diz o neto Adriano, lembrando uma delas.

Nos últimos tempos, Bertolino trabalhava como Forneiro em uma empresa de porcelana, um trabalho que muito valorizava, porque era dele que provinha o sustento da família. De tão dedicado, certa vez chegou a se equivocar com o horário e saiu de casa à meia-noite para iniciar o turno de trabalho às seis da manhã... e aí teve que acabar dormindo na empresa, aguardando iniciar o horário de trabalho.

Adriano relembra histórias que ficaram marcadas na família:

“Ele começou a estudar, mas a escola fechou nas séries iniciais devido a um acidente fatal com a filha da professora; com isso, meu avô aprendeu somente a escrever seu nome. No entanto, mesmo não indo adiante nos estudos, desenvolveu um bom raciocínio e sabia fazer cálculos matemáticos de cabeça, sem utilizar calculadora.”

“Depois que eu nasci, minha mãe ficou doente e meus avós foram me buscar no hospital, onde passei uns dias na incubadora. Quando minha mãe teve alta, o Vô foi numa localidade chamada Nossa Senhora das Pedras fazer uma promessa, pedindo pela minha saúde.”

Conta ainda que o avô era bom amigo e amado por todos; que tinha bom coração; que era muito gentil, agradável e hospitaleiro; que era generoso e gostava de presentear as pessoas. “O Vô recebia visitantes e conhecidos e servia alimentação para as pessoas sem distinção. Acolhia as pessoas para pousarem em sua casa, se precisassem de pernoite. Ainda criança, recebi de presente dele a minha primeira bicicleta. Aprendi a pedalar, treinei bastante e fiz diversos passeios para localidades próximas e distantes.

O neto segue relembrando os gostos e costumes de Bertolino:

"O Vô gostava de músicas como 'O Menino da Porteira' e uns louvores evangélicos como 'As Flores Desabrocham', 'Foi na Cruz', o louvor 15 da Harpa Cristã e 'Eu Quero Trabalhar para Meu Senhor'."

“Gostava de fazer paçoca de amendoim no pilão. Torrava o amendoim no fogão à lenha, descascava e torrava. Depois socava no pilão com farinha de mandioca e açúcar para fazer a paçoca caseira.”

“O Vô também produzia o mate kainguá, a Kaá dos povos da floresta. Processava a erva pelo carijo, que é a forma tradicional dos indígenas Guarani. Cada carijada envolvia a família durante cerca de três dias. O resultado era uma erva suave, levemente defumada, que carregava a atmosfera dos dias de feitio.”

Destacando as habilidades de Bertolino, ele conta: “Na época de infância e adolescência, meu avô morou no interior do município de Palmeiras, onde existiam diversos monjolos para transformar o milho em farinha ou canjica. Então, ele construiu, em miniatura, uma réplica de um monjolo daqueles.

Foram muitas as experiências vividas pelo avô e que são lembradas pelo neto:

“O vô sempre andou de bicicleta, até quase os seus últimos dias de vida. Preferiu sempre usar remédios naturais para tratar as suas dores. Gostava muito de comprar pacotes de balinhas de iogurte, assim tinha sempre consigo um docinho para distribuir aos amigos."

Encerrando sua homenagem, Adriano destaca que o avô alimentava o sonho de aprender a tocar perfeitamente a sua sanfona de 120 baixos, para tocar e cantar diversos louvores evangélicos. E que ele tinha o hábito de ir a todos os velórios de amigos e conhecidos, para prestar apoio e amizade aos familiares em luto.

Adriano se despede, expressando sua gratidão ao avô pelas doces lembranças, pelos ensinamentos que lhe deixou e por ter lhe ensinado a cultivar o respeito aos pais e às pessoas mais velhas; e a valorizar o trabalho, pois é ele que dignifica e garante o pão de cada dia.

Bertolino nasceu em Campo Largo (PR) e faleceu em Campo Largo (PR), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Bertolino, Adriano Luz dos Santos. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 3 de setembro de 2023.