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Carivaldina Oliveira Costa

1941 - 2020

Honrou sua ancestralidade sendo líder da luta quilombola.

A história de Tia Uia começa em alto mar, em um navio negreiro com pessoas escravizadas vindo para o Brasil. Dentro dele, sua avó era tirada do continente africano contra sua vontade. Quando esse navio chegou, aportou no município de Armação de Búzios, no Rio de Janeiro. As pessoas que estavam nele foram para a fazenda Santa Rosa e de lá "distribuídas". Foi assim que sua avó chegou na Comunidade de Rasa. Ela não sabia, mas sua neta Uia seria uma guerreira da luta quilombola.

Essa é parte da ancestralidade de Carivaldina, apelidada na infância de Tia Uia. Ela tinha como força diária a lembrança das histórias que ouvia de sua mãe, D. Eva, hoje com 111 anos. A oralidade foi base da construção da luta de Tia Uia. Era sua força motriz. Ela contava a história de sua família como quem faz uma oração.

Tia Uia fundou a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Rasa e também a Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj). Era uma liderança muito importante para a luta quilombola e dedicou suas forças para demarcar territórios e por políticas públicas para sua gente.

Em 1999, provaram que, pela Comunidade de Rasa, tinham passado pessoas escravizadas, conseguindo assim junto com Fundação Palmares e INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), demarcar sua terra como terra quilombola. O que antes era oralidade, oração, Tia Uia transformou em vitória.

Nem só de luta vivia Tia Uia... Ela gostava de ir ao manguezal de pedras com sua filha Nally para pegar sacuritá, um molusco que usavam para fazer uma iguaria quilombola, uma sopa típica de sua cultura.

Tia Uia sempre dizia para todos, mas principalmente para seus 8 filhos: "Continuem com nossa cultura oral, lutem pelos direitos quilombolas, trabalhem o resgate da nossa memória".

Agora Tia Uia é a ancestralidade. Não só na memória, mas também no chão em que hoje pisam os quilombolas, com terras justamente demarcadas.

Uma mulher, infinitas lutas.

Carivaldina nasceu no Quilombo da Rasa, Armação dos Búzios (RJ) e faleceu em Armação dos Búzios (RJ), aos 79 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Carivaldina, Nally de Oliveira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Gabriela Veiga, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 24 de março de 2021.