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Carivaldo Silva Arantes

1950 - 2020

“E tem gente que não acredita, mas já aconteceu!” dizia ele ao contar as histórias mirabolantes que amava.

Pode parecer um tanto clichê, mas não é possível começar a escrever sobre ele sem dizer que foi um cara de muita luz.

Ele encarou responsabilidades muito cedo na vida. Ainda jovem, precisou enfrentar os problemas do pai com bebida e, sendo o filho mais velho, trabalhou muito para ajudar no sustento da família – que incluía seus dez irmãos, dos quais sempre fora muito próximo. Casou-se com 22 anos e teve cinco filhos: quatro em seu primeiro casamento e um com a segunda esposa. Nunca tirou o sorriso do rosto, sorriso este que iluminava tanta gente.

Em toda a sua vida, para onde quer que fosse, levava alegria pelo caminho. A sensação de leveza que transmitia era irresistível e fazia com que estivesse sempre rodeado de gente. Ele amava pegar seu carrinho para ir tomar um café e jogar conversa fora na casa dos amigos ou da família. Por Deus, como adorava conversar!

Tinha o costume de dormir em frente à televisão. Menos, é claro, quando estava passando uma das suas novelas. Noveleiro que só ele, não deixava de acompanhar as tramas por nada. Talvez por ser também um ótimo contador de histórias.

Era fascinado por contos de lobisomens, benzedeiras e feitiçaria; de rezas que faziam as pessoas ficarem invisíveis aos olhos de seus inimigos. Sempre fazia um link entre um assunto qualquer e as histórias que acreditava. Costumava começar com “Uma vez, quando eu era novo...” ou então “Você nem imagina o que aconteceu comigo tempos atrás...” e no fim sempre era algo como “E tem gente que não acredita, mas já aconteceu!”. Suas histórias mirabolantes o acompanharam por toda a vida, como marca registrada.

Não ficava sem café. Comidinhas caseiras e bem temperadas também não podiam faltar. Ele também amava filmes de faroeste, e cuidava dos animais e das plantas com imenso carinho. Tinha um sítio, então também gostava de trabalhar no campo. "Mas se perguntássemos o que mais gostava de fazer, ele com certeza responderia: 'tocar violão e andar a cavalo.' Essas eram suas paixões", revela a filha, Gilnara.

Gilnara tem uma coleção dessas memórias para contar. Começou dizendo, em voz baixa e embargada pela emoção, que ele era um leonino vaidoso, que não perdia uma oportunidade de se arrumar. Depois, deixou que as lembranças tomassem conta de si, enquanto descrevia os momentos que tivera com o pai. Quando solteiro, fora um galanteador que fazia serenata para as namoradas. Quando moravam na fazenda do avô, Carivaldo tocava e cantava enquanto seus filhos, ainda crianças, corriam e brincavam em volta da fogueira. Às vezes, a família apenas sentava-se à noite na varanda e ouvia suas músicas. Suas lembranças favoritas do pai são andar de bicicleta ao entardecer – ela na garupa e seu irmão na cadeirinha – e o momento da gemada de todas as manhãs, em que os quatro irmãos ficavam sentadinhos esperando pelas colheradas, que ele dava na boca de um por um.

Houve um momento após a separação da primeira esposa em que Carivaldo ficou distante da família, morou fora por algum tempo. Quando voltou, foi para recuperar o tempo perdido; para ser extremamente presente na criação de seu primeiro neto e para fazer parte, outra vez, da vida daqueles que nunca deixou de amar.

A verdade, é que Carivaldo apreciava a ideia de amar as pessoas e isso fazia com que fosse fácil amá-lo de volta. Era aquela pessoa muito alegre e carismática, que todo mundo queria ter por perto.

Carivaldo nasceu em Barra do Bugres (MT) e faleceu em Cuiabá (MT), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Jornalista desta história Letícia Virgínia da Silva, em 9 de julho de 2021.