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Carlos Roberto Scholles

1958 - 2021

Mesmo nas mais baixas temperaturas do inverno no Rio Grande do Sul, Carlos saía para podar as videiras.

Homenagem da filha Aline a seu pai:

O caminho se conhece andando e Beto, como era chamado pelas irmãs, percorreu o dele. Construiu seus próprios brinquedos desde criança; aprendeu a sonhar, a planejar, a compartilhar suas ideias e a ser um alegre vitivinicultor. “Era uma vez um sonho plantado e regado em solo fértil por um coração persistente. Nesse solo a videira brotou!”. Essas eram suas palavras, que permanecem gravadas numa placa fincada em meio ao verde exuberante de Nova Petrópolis, no alto da Serra Gaúcha. Lá, ficou o solo onde cultivou suas uvas e extraiu delas sucos, vinhos e felicidade.

Quando adolescente, na década de 70, dedicou-se à igreja e foi seminarista. Seu olhar sonhador, no entanto, o levou por outros caminhos. Não seguiu a vocação de padre, mas se manteve devoto à Santa Rita de Cássia. "Ele tinha como missão auxiliar a todos, para que descobrissem como avançar nas suas caminhadas", conta a irmã de Carlos.

Após anos dedicados à advocacia e a uma loja de cama, mesa e banho, ao lado da sua esposa, Carlos aposentou-se e encontrou nas parreiras uma nova forma de se conectar com as pessoas. Sempre inspirado na preservação das suas raízes alemãs, cultivou pinheiros e outras espécies da flora europeia. Fez do sítio onde vivia uma pequena vinícola; um verdadeiro elo entre sua ascendência e o Brasil.

As uvas eram sua paixão e, por elas, literalmente, nunca houve tempo ruim. Carlos cuidava de suas videiras em toda hora, independentemente do gélido clima sul-rio-grandense; afinal, brotava daquela terra o seu gosto pela vida e por confraternizar com as pessoas, ao som da boa música italiana que gostava de cantarolar.

Aline, sua filha mais nova, relembra que as pessoas passavam pela rua, achavam o lugar tão bonito, e paravam para perguntar sobre o que era: “E assim ele recebia todo mundo, ele era muito querido”. Toda sexta-feira, Carlos tirava folga para preparar tudo, porque o sábado era dia de receber os visitantes e turistas na vinícola - era quando o homem se realizava, oferecendo a degustação de sucos e vinhos regadas a longas conversas. “Minha felicidade é dupla quando eles saem daqui felizes”, dizia Carlos Roberto, orgulhoso do que construiu.

Além do apreço pelo cultivo dos cachos, a filha recorda dele dirigindo uma caminhonete banheira azul-bebê, indo buscar todos os sobrinhos em casa aos finais de semana. Também lembra do pai construindo uma casa na árvore para a criançada toda brincar. Grandes recordações para sempre guardadas!

Carlos era o Papai Noel de todos os natais, era pai das filhas, dos sobrinhos e do neto, de quem cuidou como se fosse filho seu. Deixa muitas saudades e lembranças doces, como as uvas que tanto gostava de zelar.
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Homenagem da filha Gabriela ao seu pai:

Meu pai era um grande homem. Era advogado de formação, mas sua paixão genuína era dedicar-se à plantação de uvas e produção de vinhos.

Foi um avô excepcional, a primeira palavra do Arthur não foi mamãe, foi PABU, a forma carinhosa que ele, com apenas um aninho arrumou de chamar o avô, que foi um verdadeiro pai para ele. Dedicado, levava o Arthur todos os dias para escola e para fazer passeios e aventuras de trator entre os parreirais de uva. Foi uma linda amizade.

Quando eles chegavam do sítio aos domingos à noite, com os tênis cheios de barro, a roupa suja, corriam para a minha cama e eu dizia que ia colocar uma lona preta na cama para eles se jogarem.

Hoje, no silêncio, tudo o que eu queria era ter de volta os tênis sujos de barro sapateando pela casa.

Carlos nasceu em Novo Hamburgo (RS) e faleceu em Novo Hamburgo (RS), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Carlos, Aline Graziela Scholles. Este tributo foi apurado por Juliana Padilha, editado por Juliana Padilha, revisado por Luana da Silva e moderado por Rayane Urani em 16 de novembro de 2021.