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Cássio Xavier de Azevedo Filho

1970 - 2021

Queria tudo pra ontem; assim, viveu intensamente o amor por sua Roselene e pelo próximo, sempre bem alinhado e perfumado.

Cássio nasceu em São Paulo, mas morou em muitos outros lugares desde criança, acompanhando os pais.

Ele conheceu a esposa Roselene em Sorocaba, por intermédio de Fernanda, uma colega de trabalho dela. Naquela época ela era gerente de uma empresa e Fernanda sabia que ele tinha se separado recentemente e que ela também estava solteira. Depois de muita insistência, acabou concordando em passar o seu telefone para ele; demoraram algum tempo até se conhecerem pessoalmente e acabaram se apaixonando.

Mudaram-se de Sorocaba para Porto Feliz por razões profissionais, já que possuíam uma empresa de transporte na cidade. Ficaram juntos por seis anos, de 2015 a 2021, quando ele partiu. “Ele era um excelente marido! Estava sempre disposto a sair, passear. Então, aproveitamos bastante a vida de casados. Gostava de tranquilidade e dizia que não voltaria a morar em São Paulo. Só não gostava de ir a supermercados. Nos nossos momentos livres, ele me acompanhava nas visitas à minha família e gostava de receber sua mãe e seus irmãos para uma pizza ou para um almoço de domingo”, conta Roselene.

“Nossa cumplicidade era certamente o alicerce de nosso relacionamento. Ele sempre dizia que se eu errar, erramos juntos. Se acertar, acertamos juntos. Por conta disso, surgiu uma frase muito nossa: "Segura na minha mão que seguro na sua". Este era nosso código especial durante os percalços para relembrarmos termos um ao outro”, diz ela.

Ela conta também que o marido não tinha propriamente um passatempo ou atividade, mas colecionava carrinhos em miniatura, dedicando parte do seu tempo livre à procura de novidades ou simplesmente admirando a sua coleção. Cássio também era extremamente comunicativo e, em suas folgas rápidas, vivia nas redes sociais. Tinha sempre um sorriso no rosto e adorava fazer selfies.

Ele tinha verdadeira paixão por dirigir e viajar; tinha também uma empresa de transporte executivo onde colocou uma bandeira na fachada, que lá permanece até hoje. Em seu trabalho, via cada cliente como um amigo, tratando todos muito bem e não medindo esforços para agradá-los. Entre os clientes, havia um diretor de filmes publicitários, para quem diversas vezes pagava para trabalhar, literalmente. Conta a esposa que o valor que ele cobrava nessas ocasiões, não cobria nem as despesas, mas, para ele, fazer parte, estar junto da equipe, era mais importante do que lucrar com o trabalho.

Para Cássio, bastava estar em movimento, não necessariamente indo para um destino especial. Gostava de pegar o carro e simplesmente dirigir. Não tivemos tempo ou condições financeiras para realizar grandes viagens, mas para nós, foi muito especial um passeio que fizemos a Bertioga, logo no início do relacionamento. Eu tinha uma lista de lugares que gostaria de conhecer e ele sempre dizia que, apesar de detestar o frio, iria comigo até nas geleiras.

Com habilidade para fazer amizades, era aquela pessoa que se tornava amigo de infância de qualquer um. Chegava, se apresentava, falava dele, ouvia a pessoa e já se sentia amigo parece que se apegando sempre ao que tinham em comum.

Cássio era o tipo de pessoa que perdia os limites se entrava em uma loja: gostava de comprar roupas, sapatos e acessórios novos e era capaz de usar uma roupa nova, pela primeira vez, para ir lavar o carro ou de se arrumar até para ficar em casa.

Vaidoso, resgatou sua autoestima com uma cirurgia bariátrica para eliminar uma obesidade que lhe causou intenso sofrimento e, com isso, retomou a vontade de se cuidar, de se vestir com roupas novas, deixar o cabelo bem alinhado com gel e estar sempre muito perfumado, realçando a sua beleza natural com um charmoso chapéu.

Indagada sobre fatos marcantes vividos com Cássio, Roselene se recorda do papel que exerceu em reaproximá-lo do pai, inspirado na união que via na família dela. O sogro se recusava até a tirar fotos junto com todos, por isso, há muito tempo não havia registros de imagens com familiares. Como ela não sabia dessa história, organizando o ambiente para tirar fotos nas festas de Natal, Ano Novo, Dia dos Pais, até que milagrosamente, o pai dele foi ao noivado deles e aceitou participar das fotografias.

Para ilustrar esse fato ela conta: “O pai do Cássio partiu em outubro de 2016, um ano após eu entrar para a família. Então, os familiares dele sempre foram muito gratos por promover novamente a amizade entre pai e filho e, mais ainda, por conseguir tirar fotos deles. Todos sempre diziam que, se não fosse eu, não teriam lembranças do pai. Por isso, para mim, esse detalhe sempre foi muito marcante em nossa história”!

Ela conta muitas outras lembranças preciosas: “A nossa música de casal era Angels, interpretada pelo Robbie Williams. Se um de nós ouvia, ligava imediatamente para o outro para ouvirmos juntos. Se não fosse possível, mandávamos mensagem no WhatsApp com a música ao fundo”.

Apesar de ser um chocólatra inveterado, Cássio tinha uma alimentação bastante regrada. “Suas comidas preferidas eram, sem dúvidas, salada de frutas e berinjela. Ele, todos os dias, comia salada de frutas, fosse no café da manhã ou no meio da madrugada. Por isso, eu sempre preparava tudo com muito capricho e afeto: cortava as frutas bem pequenininhas e do mesmo tamanho. Curiosamente, ele sempre contava isso aos outros. Outra paixão era berinjela. Devido à redução de estômago, ele quase não comia carne, mas, diversos pratos com berinjela sempre faziam parte de sua alimentação. Inclusive, em sua última refeição, em casa, preparei para ele. Desde que ele se foi, creio que nunca mais comi...”

“Cássio não comia miolo do pão. Não sei o porquê, mas sempre me recordo disso. Ele também era bastante friorento: se dependesse dele, dormíamos sempre com cobertor”.

Ele não era torcedor, não assistia a jogos, mas seu time era o São Paulo, do qual tinha muito orgulho por seu avô ter sido sócio fundador. Em uma fotografia recente, ao lado do irmão, posou com a placa em que aparecia o nome de seu avô, no estádio.

“O meu marido era a personificação da palavra sonho e para ele, tudo era possível! Vivia com a cabeça cheia de sonhos, por vezes tirava os pés do chão, mas não gostava de ser contrariado e, quando isso acontecia, desistia facilmente de seus projetos”.

“Dizia sempre querer uma casa ou chácara com uma grande varanda, churrasqueira e piscina para receber os amigos. Desejava, também, uma motocicleta, um carro conversível e um fusca 1970. Possuía inúmeros sonhos e, em sua grande maioria, de ordem material, mas que acabaram não se realizando”.

Cássio era fascinado por crianças e queria muito ser pai. Durante a vida procurou diversos modos de realizar esse sonho, mas, infelizmente, não foi possível. Em fevereiro de 2023, nasceu o primeiro sobrinho dele e eu me pego imaginando o quanto ele teria devotado afeto a essa criança, que fez renascer a luz e a alegria para toda a família dele”, diz a esposa.

Indagada sobre os ensinamentos que recebeu de Cássio, Roselene relata com carinho: “Nós nos completávamos. De um lado, ele, imediatista, que desejava tudo para ontem, não importando o quanto fosse gastar. Dizia sempre em tom de brincadeira: “nem que o cheque volte”. Do outro, eu, realista e contida, que tinha o controle financeiro das contas do casal. Entretanto, aprendi com o Cássio que não podemos deixar nada para depois porque o tempo corre pelas mãos. Temos que ser felizes com o que temos, com o hoje. Não dá para ser feliz depois. Ele sempre dizia uma frase bem conhecida, que foi a última dita por ele em uma visita à UTI: “Não podemos fazer um novo começo, mas podemos fazer um novo final”.

Cássio fazia parte de uma loja maçônica em Sorocaba e logo depois de sua morte, Roselene foi procurada para dar autorização para o uso seu nome em um projeto de beneficência, cuja missão é transformar em realidade tudo aquilo que o Cássio sempre acreditou: “Fazer o bem, sem olhar a quem”.

O Instituto denominado Cássio Xavier de Azevedo Filho, leva auxílio e conforto aos menos favorecidos, fazendo empréstimo e doação de cadeiras de rodas e de banho, além de camas hospitalares, continuando a caridade que ele sempre buscava praticar em vida.

Cássio nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Porto Feliz (SP), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Cássio, Roselene do Carmo Perina. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 15 de junho de 2023.