1930 - 2020
Seu pequeno vocabulário em italiano a fazia viajar às suas origens. Domingo era dia de macarrão.
Desde pequena, Célia enfrentou grandes desafios em sua vida. Seus pais imigrantes, vieram da região da Toscana, na Itália, e fizeram morada no Brasil, ao redor das montanhas da Serra da Mantiqueira. Ali Célia nasceu, foi a primeira dos quatro filhos, perdeu os pais aos onze anos, e foi separada dos irmãos.
Mas da infância, ela guardava as lembranças mais bonitas, sua maior recordação era o carinho da mãe Eugênia, que sempre cantava a música “Quel mazzolin di fiori” para ela, canção que Célia levou para seus filhos, netos e amigos. “Ela cantava muito essa música, e sorria ao cantar”, conta o filho Cláudio.
Aos 23 anos, Célia conheceu Carlos, “minha mãe morava numa casa bem grande no centro da cidade de Cruzeiro e meu pai passava na frente da casa. Ela e uma amiga apelidaram ele de gravatinha, porque ele usava gravata borboleta”, relata Carlos sobre o começo da história dos pais, que logo se casaram e tiveram quatro filhos, Celso, Carlos César, Cléucio e Cláudio. “Quando eles fizeram 25 anos de casados, fizemos uma festa, eles ficaram muito felizes! Somos católicos e todos entramos na igreja numa missa especial”, relembra Cláudio.
Uma mulher admirada e respeitada, assim foi Célia, sempre dedicada à família, “minha mãe cuidava, alimentava e protegia os seus, uma típica mamma italiana”, fala com carinho o filho Carlos, que tem orgulho de tudo o que sua mãe construiu em vida. Desdobrava-se em cuidados, não somente à família, mas também aos amigos e vizinhos, com quem sempre teve uma relação de grande receptividade em seu dia a dia.
“As pessoas chegavam e ela já estava pronta para uma conversa com um café posto; com alegria falava de suas lembranças e histórias. Minha mãe era de um coração enorme! Nossa família sempre tentou ter uma relação próxima, filhos, netos, irmãos. Os netos chegavam e a beijavam, e logo ela chamava pra cozinha onde todos podiam tomar café e comer as delícias que ela fazia.”, conta Cláudio.
A matriarca Célia sempre gostou de seguir tradições com sua família. Aos domingos, a missa era com os filhos reunidos; no mesmo dia, o almoço era invariavelmente macarrão, a típica massa italiana. “Hoje, se vou domingo na casa de alguém e dizem que não tem macarrão, acho surreal”, fala Cláudio aos risos relembrando o costume da mãe.
“Quando eu era criança, às quintas comíamos polenta com molho no jantar. Ela fazia o molho de tomate e ficava cozinhando por horas, então ela pegava pedacinhos de pão, passava no molho e dava pra gente ir comendo. Como acompanhamento, colocava vinho diluído com água e açúcar numa canequinha.”, conta o filho, saudoso.
Por ter distribuído tanto afeto e acolhimento assim, Célia continuará vivendo no coração de todos os seus entes queridos, como a mais profunda raiz que perpetua as tradições da família. Viverá no cheirinho do café e do pão quentinho que ela tanto gostava nas tardes, compartilhando com prazer esses momentos com quem chegasse a sua casa; será lembrada na reza das novenas, como as que fazia em sua casa, seguidas de lanches que ela mesma preparava.
Célia fica eternizada ainda, nos dias de varanda, onde o seu pensamento, em meio às frases em italiano, a levava a contar histórias e memórias do tempo em que soava a canção que dizia: “Quel mazzolin di fiori che vien dalla montagna, e bada ben che non si bagna, che lo voglio regalar…” (Aquele ramalhete de flores que vem da montanha, e veja bem que não se molhe, que o quero doar...).
Célia nasceu em Queluz (SP) e faleceu em Cruzeiro (SP), aos 89 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Célia, Cláudio Gomes. Este texto foi apurado e escrito por Criles Monteiro, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 8 de maio de 2021.