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Cláudia Maria Ferreira

1965 - 2020

Bailarina de coração e sonho, borboleta de alma e dor, furacão de mente e amor: Cláudia deve estar dançando.

Essencialmente pitoresca, Cláudia começou bem cedo sua caminhada marcante pela vida. Trabalhava desde a infância, ao lado de seus irmãos, para ajudar os pais com as despesas da família andarilha.

Aos 14 anos, ingressou na escola, e se formou após os 37. Foi professora de Português, mas o que sua alma tinha mesmo era fome de arte. Criativa, profunda e especial demais para ser meramente lida: sua expressão atravessava as letras e o verbo para manifestar-se numa miríade de cores, notas e aromas. Cláudia deveria ser experimentada, apreciada, criticada e vivida na pele, como uma música de Roberto ou uma comida temperada.

Ela sabia gargalhar como ninguém. Ria-se apesar das adversidades, a despeito da depressão. Em sua história, luta, dor e sofrimento estiveram constantemente à espreita, mas Cláudia inventava suas próprias razões para sorrir. Era uma dessas pessoas instigantes que não têm nada de óbvio e, por isso, nem todo mundo compreendia sua vontade de viver.

É preciso dizer que ela amou. Amou mais de uma vez, mais de uma pessoa. Tudo muito e tanto! Em particular, ela amou o pai dos filhos, que faleceu após um câncer tardiamente diagnosticado.

Cláudia deixou dois filhos: Lara e Diêgo. Além deles, ficou uma série de ensinamentos sobre empatia. Não sobre o tradicional "colocar-se no lugar do outro", mas sobre a exótica humanização, o reconhecer-se e reconhecer no outro a instância errante e sentimental de ser humano. Deixou também um quarto de tecidos, folhas, revistas, tesouras, agulhas e linhas, com os quais a filha não sabe o que fazer. Deixou pai, irmãs, sobrinhos e amigos para finalmente reunir-se à mãe e à melhor amiga, numa existência superior.

Apesar da indefinível dor pela ida precoce e repentina, sem o privilégio de um último adeus, fica aqui um rastro de amor e generosidade, permitindo, aos que a conheceram verdadeiramente, encontrá-la num passo de dança ou no voo sublime de um pássaro contente.

Cláudia nasceu em Uruburetama (CE) e faleceu em Horizonte (CE), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Cláudia, Lara Raquel Ferreira da Costa. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Thais Oliveira, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 30 de julho de 2020.