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Cláudia Valéria Ferreira Monteiro

1968 - 2021

Na época do Natal, dirigia o ônibus municipal, o "Vermelhinho", com adornos de Mamãe Noel, e distribuindo doces às crianças.

Da infância difícil emergiu uma mulher guerreira, aventureira, referência para a família e muito, muito amiga da filha única Jenifer.

Quando tinha 3 anos, Cláudia Valéria perdeu o pai, provedor da família. Foi criada pela mãe, Josefa, ao lado dos três irmãos, Nancy, Guto e Beto. “O caçula ela ajudou a criar, pois minha avó teve que tratar um câncer e ficou muito tempo internada”, conta Jenifer. Com os irmãos, sempre teve uma relação de união. A mãe de Cláudia Valéria sempre esteve próxima da filha. “Ela não era uma pessoa de fazer carinho, mas sempre esteve ali, do lado dos filhos”. Essa experiência iria balizar a relação de Cláudia com Jenifer. “Quando minha mãe casou e eu nasci, me criou com todo o amor e carinho do mundo e foi minha melhor amiga na vida”, exalta.

O companheiro, Cláudia conheceu na escola. Casaram-se após dez meses de namoro. Viveram juntos por treze anos. Amaram-se muito e tiveram alguns conflitos. Separaram-se, afastaram-se e voltaram a ser amigos bastante tempo depois da separação.

Ao longo da vida, mãe e filha foram caminhando lado a lado. Cláudia sempre trabalhou no comércio. Em determinado momento da vida, cansou da atividade e fez cursos para atuar, por exemplo, como bombeiro civil. “Ela era uma mulher brava e guerreira, a minha Mulher Maravilha”, diz a filha, complementando: “Do alto do seu 1,55 metro, tinha uma força enorme e queria oferecer para mim uma vida melhor do que a que ela teve, pois, assim como ela, também tive um pai ausente”.

Foi assim que uma amiga a indicou para um processo seletivo para cobradora de ônibus. Ela passou e começou na carreira. Depois tirou a carteira de motorista, esperou dois anos para tirar a habilitação para motorista de ônibus e ali nasceria uma nova etapa em sua vida, como motorista de ônibus municipais.

Como Cláudia amava o período de Natal, fazia celebração a cada dia, a bordo do veículo no qual transportava centenas de pessoas diariamente. Confeccionava uma roupa, vestia-se de “Mamãe Noel”, distribuía pirulitos para as crianças e alegrava o dia de quem entrasse no ônibus, o “Vermelhinho”.

Assim Cláudia levava a vida, sempre na companhia da filha. Juntas, viajaram pelo país e pela América do Sul, na primeira viagem de avião e no primeiro contato com a neve, que Cláudia Valéria amou conhecer. “Ela tinha amigas, mas a maior companheira era eu mesma! Fomos ao Chile, Amazônia, dormimos na selva, fizemos todas as trilhas possíveis no Distrito Federal”, conta Jenifer.

Além de compartilhar a vida com a filha, Cláudia sempre a incentivou a levar adiante a formação intelectual e profissional. Enfermeira obstetra, Jenifer passou em um concurso para atuar em Brasília. Na dúvida sobre ir ou não, consultou a mãe. “O que eu faço?”. A resposta foi curta e firme: “Você vai”.

A trajetória de Jenifer na Capital Federal começou em companhia da mãe. Juntas, foram com o carro – lotado – do Rio de Janeiro, onde viviam, até Brasília. “Ela me disse: se dê essa oportunidade. Um ano em uma nova cidade, concursada. Se você não se adaptar, eu te acolho. Eu me adaptei, não precisaria mais voltar. Ela amou Brasília quando veio me visitar. Fez amizade até com os vizinhos que eu nem conhecia!”, relembra Jenifer.

Ali, planejaram e sonharam com uma futura transferência definitiva de Cláudia Valéria para o Distrito Federal, para morar com a filha.

Hoje a família convive com as lembranças, de uma mulher jovial, engraçada, positiva, carinhosa, com uma personalidade e força gigantes; uma pessoa que gostava de fazer amigos e brincadeiras valendo um pote de chocolates. E quis a sorte que ela ganhasse, em um sorteio, um grande pote com chocolates que havia oferecido para o evento.

Para Jenifer, sua avó, seus tios e tias e os sobrinhos e sobrinhas Vanessa, Jéssica, Richard, Felipe e Érica, fica a inspiração do colorido que ela trazia à vida. Era comum, nos momentos em família, que os sobrinhos e cunhados a chamassem de “tia pastel”. “Era uma forma carinhosa de se referirem a ela, que sempre estava feliz e pronta para uma piada e para as brincadeiras”, lembra a filha.

Uma dessas, foi no aniversário da matriarca da família, Josefa. Depois de comer o bolo, Cláudia Valéria e a mãe espalharam a cobertura no rosto uma da outra, momento que foi eternizado em foto e hoje traz sorrisos para os familiares.

“Fica a certeza de termos convivido com uma pessoa forte e de fibra. Um espírito de luz, que ajudava quem precisasse. Uma baixinha que brigava pelos ideais dela e por quem amava.”

Cláudia nasceu em São Gonçalo (RJ) e faleceu em Manilha (RJ), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Cláudia, Jenifer Monteiro Barboza. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Ana Macarini em 6 de março de 2022.