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Creuza Pereira da Silva

1931 - 2020

Tete gostava de jogar sueca com as amigas e de perder os brincos pela casa.

Sabe quando a gente tira o brinco da orelha e ele some misteriosamente, reaparecendo um tempão depois? Creuza entendia bem desses pequenos sumiços. Era brinco, colar, dinheiro... Os pertences viviam dando aquela fugidinha dentro de casa, mas sempre reapareciam quando ela não estava mais procurando.

Mas, não se engane! Creuza podia perder de vista suas bijus, mas jamais tirou os olhos dos oito filhos: seis meninas e dois meninos, que criou sozinha e com muito, mas muito amor. Amor que ultrapassou gerações, multiplicando-se com a chegada dos netos e bisnetos.

Mulher guerreira, mãe dedicada e fã de um bom jogo de sueca com as amigas, Creuza amava estar sempre acompanhada e curtia matar o tempo livre vendo fotos no Facebook.

Amável, carinhosa e prestativa, Creuza com certeza entrou para o time dos melhores anjos da guarda.

Espalhe seus brincos por onde estiver, Creuza. E tenha certeza que jamais ficará sozinha – o amor de seus filhos, netos e bisnetos seguirá forte e acompanhando a eterna Tete/Quezinha/Fofinhaaa.

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A vovó do coração mais doce, que todo dia rezava um terço aos filhos e netos.

Creuza teve uma infância boa e feliz, foi muito bem-criada e educada. Era o xodó do pai. Nutria desde cedo um sentimento de ternura pelos trabalhadores do sítio onde morava, que eram muito pobres. Acordava cedo para ajudar a cozinhar para eles, cuidava das crianças e até arrecadava roupas com familiares e amigos para doar. Era sua forma de servir e exercer a pureza e a bondade que carregava por onde quer que passasse.

Teté, como também era conhecida, criou sozinha os oito filhos: Eduardo, Maria do Socorro, Maria Virginia, Nicolau, Maria de Fátima, Maria de Lourdes, Maria Bethânia e Carla. Garantiu para que nunca faltasse nada dentro de casa, dando educação e sendo professora de princípios, como honestidade e amor. Foi uma heroína, pois nunca se rendeu à ideia de dar os filhos mais novos para alguém cuidar, como ouvia constantemente. Mulher independente, nunca quis arrumar um novo marido, temia que ele pudesse fazer mal aos filhos.

Na cozinha encontrou seu sustento, fazendo refeições para vender. Quando algum familiar ia visitá-la, tratava de fazer o prato favorito de cada um. Para a neta Camila, era biscoitinho frito e peixe com purê. A neta Alice adorava o macarrão que a vovó fazia. Já a filha Bethânia, guarda no coração o curau de milho e galinha que dona Creuza fazia, além de todas as receitas nordestinas.

Muito solícita, ajudou inúmeras pessoas que vieram tentar a vida em São Paulo. Fazia o que podia, tendo cedido inclusive um espaço da sua casa para que um parente e sua família se estabelecessem. E a regra era clara: “Só saem daqui quando tiverem arrumado um emprego e alugado uma casinha”.

Era muito vaidosa e animada, a alegria dos filhos nas festas de família. Nos Natais, o neto João Élio tinha que tirar a barba especialmente para ela, pois não gostava nem um pouco. Em um Dia das Mães especial, ganhou um celular. Foi o ponto de partida para que pudesse dar muitas risadas assistindo aos vídeos engraçados postados em uma rede social.

Com a neta Camila, assistia novelas e sempre já sabia o que aconteceria no próximo capítulo, era difícil surpreendê-la.

Uma mulher pronta e disposta a ouvir de tudo: fosse notícia boa ou notícia ruim. Já tinha passado por muitas provações na vida, sempre com muita coragem. Quando o cachorrinho Billy foi atacado pelo pastor alemão do vizinho, foi ela quem o salvou e voltou com Billy no colo, sendo aplaudida por toda a vizinhança.

Adorava assistir às missas do Pai Eterno, fazia preces para toda a família. Muito devota de Nossa Senhora Aparecida, ajudava com um pouquinho da sua aposentadoria as duas igrejas. Ensinou aos filhos o verdadeiro sentido da fé, uma fé simples e duradoura, que refletia um amor puro por Jesus.

Nas reuniões de família, fazia questão de contar a história de quando a filha a assustou com um beijo gelado, pois dona Creuza só tinha medo mesmo é de pessoas que tinham falecido. Era uma receita certa, bastava contar a história e toda a família se unia em risadas, independente de quantas vezes já tivessem ouvido a história.

Foi um exemplo de bondade, devoção e cuidado com o próximo. Era modesta demais para concordar com o neto Gabriel, que dizia que ela era a única santa canonizada em vida. E aos corações que a conheceram bem, sabem que ela realmente era.

Creuza nasceu em Alagoa Nova (PB) e faleceu em Osasco (SP), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas filhas de Creuza, Fátima e Maria Bethânia. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Maria Luiza Gonçalves, editado por Ygor Expedito Gonçalves (2º tributo), revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 28 de julho de 2020.