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Daniel Pereira da Silva

1962 - 2021

Mesmo que fizesse pose de durão, entregava seu imenso coração através de seu olhar cheio de amor.

Daniel era um homem de muita fé. Tinha em Deus, o farol a iluminar seus caminhos, e era ele próprio a luz na vida de sua família. Gostava de mostrar que era durão e, na verdade, era extremamente carinhoso, sensível e muito chorão. Não escondia as lágrimas ao ver o amor e cuidado especial que sua família tinha com seu bem-estar.

Era amante de comida boa e gostava de perfumar-se e pentear os cabelos, pois era bem vaidoso. Nas palavras dos filhos, "tinha um sorriso único de canto de boca, um olhar penetrante cheio de amor, carinho e carência".

Por falar em filhos, ao todo, foram quatro. O primeiro, fruto de um curto relacionamento, foi o único homem que, por sinal, recebeu o nome do pai.

E não poderia ter sido diferente, já que existe uma grande semelhança física e moral entre os dois. Depois, sem jamais esquecer do primogênito, Daniel começou uma nova história ao lado de Jovelina.

O casal se conheceu no clube onde ele jogava bola ― o futebol era uma de suas paixões que, eventualmente, precisou abandonar por problemas de saúde. Em pouco tempo, Daniel e Jovelina começaram o namoro que logo se transformou em casamento.

Aline já estava na barriga da mãe quando a união foi oficializada. Durante mais de três décadas, Daniel e sua esposa construíram uma relação de cumplicidade que só eles entendiam. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas no relacionamento, o amor e a persistência sempre os uniram. Juntos ainda trouxeram ao mundo Kaline e a caçula Karoline. Aos filhos, Daniel ensinou a fé, a lealdade, a honestidade, a bondade e o cuidado uns com os outros.

Como homem que dava muito valor à família, mesmo com todos já crescidos e bem criados, Daniel gostava de ver todos unidos. Uma vez por semana, sempre às sextas ou aos domingos, fazia questão de encontrar-se com seus filhos e sua neta Geovana em sua residência. Aos sábados, não deixava de ir à casa de seus pais para encontrar o restante da família e sempre levava uma melancia. O gesto se tornou uma lembrança divertida para os que sentem falta de "Daniel e sua melancia", como costumam dizer.

Gostava de estar na companhia dos irmãos com quem nutria uma amizade muito linda, de muita cumplicidade e cuidado. Sentia muita falta do seu irmão Samuel, que partiu muito cedo, e de sua irmã Marli, que se casou e foi morar em outra cidade.

Se na adolescência tinha a mania de usar escondido os perfumes da irmã Ivani, já na vida adulta, brincava para saber quem teria mais netos primeiro. Não sem motivo, a chegada de Geovana o encheu de alegria pela realização do sonho de ser avô. Aline conta que seu pai esteve presente na vida da neta desde a barriga. Sempre as visitava levava pêra e melancia porque sabia que ela gostava muito. Ele aprendeu com Geovana a gravar vídeos e tirar fotos em seu celular, registros que gostava de compartilhar com as filhas e com o grupo da família.

Daniel também era o conselheiro do irmão Natanael e visita garantida, quase todas as semanas, na casa de Ismael, onde fazia questão de apreciar os deliciosos lanches da cunhada Nide que sempre se preocupava em fazer seus gostos. Também gostava de visitar as primas Cleide e Zuleide.

Tinha um carinho especial pelos genros, uma relação única, mimava e era mimado por cada um, considerava-os como os filhos que ganhou de Deus. Conquistava o coração de todos que se aproximavam. Até nos momentos mais difíceis, na cama do hospital, ele conquistou muitos.

O amor por seus pais não cabia no peito. Depois da partida de seu pai, Daniel não deixou de ligar para sua mãe Herminia um dia sequer. E "ai" dela se não atendesse suas ligações ou não falasse para onde estava indo quando saía! Ele também tinha o hábito de fazer ligações diárias para suas filhas e sua neta, em chamadas de vídeo, para que pudesse ver o rostinho de cada uma.

Daniel tinha também família na igreja. Servo de Deus por dezenove anos, era porteiro na Congregação Cristã no Brasil, frequentava os cultos e fazia questão de buscar e deixar em suas casas os irmãos mais velhos de sua comunidade. Seus filhos contam que o pai tinha um amor incomum por idosos e por crianças. Enchia de carinho e mimos as crianças e os velhinhos da família, da vizinhança e da igreja. Daniel se conectava com aqueles de alma pura e tratava o "filho" e os "netos" de quatro patas como se fossem gente. Adorava levá-los para passear e dar comida.

Sua essência foi e sempre será motivo de muito orgulho para os seus. Além do coração enorme, Daniel era um exemplo de honestidade e prezava muito pelo nome. Não devia nada a ninguém, era um excelente pagador e, como brincam seus filhos, era "melhor ainda como cobrador".

Daniel teve muitas provações na vida e jamais esmoreceu. Sempre acreditou que Deus tinha um propósito, e nada foi capaz de abalar sua fé.

Em nome da família, Kaline prometeu ao pai que manteria todos juntos e unidos, cumprindo seu maior desejo. Para homenageá-lo, seus filhos escolheram palavras que revelam o amor incondicional que foi cultivado pelo patriarca no coração de cada um.

Aline conta que se sentia como uma mãe para seu próprio pai. Sempre muito preocupada com sua saúde, tentava a todo custo fazê-lo entender que deveria cuidar melhor da alimentação e ele, como "filho birrento", fazia o contrário e ainda ficava bravo. Nos últimos tempos, Aline desistiu de pressionar o pai para evitar aborrecê-lo e manter o carinho acima de tudo.

Karoline, por sua vez, traz consigo uma lembrança muito especial com o pai de quando ela tinha apenas seis anos. Os dois estavam andando juntos de bicicleta quando ela pediu para que fossem à casa de seu tio Ismael, que ficava um pouco distante. Ele disse que ela não daria conta de pedalar para tão longe, mas cedeu à insistência da filha. No meio do caminho, quando Karoline já não tinha mais força nas pernas, ele ficou bravo por um instante, mas logo abriu um sorriso e a colocou na garupa de sua bicicleta para que seguissem juntos e sorridentes até a casa do tio. Foi nesse dia que Karoline percebeu que seu pai sempre caminharia ao seu lado.

Kaline conta que, sempre que notava nervosismo, preocupação ou tristeza no semblante do pai, tentava alegrá-lo, fazendo-o rir de coisas bobas. Na maioria das vezes, conseguia e via Daniel mudar de humor muito rápido, alegrando-se com pequenas coisas.

Daniel, por sua vez, quis deixar uma declaração:

"Falar do meu pai é um tanto difícil. Não por ausência de adjetivos, pelo contrário. Ele possuía inúmeras qualidades; era um homem com um coração gigante! Cuidou como ninguém de seu paizinho e de sua mãezinha. Acarinhava de um jeito único filhos, irmãos, sobrinhos e até quem não conhecia. Tínhamos um ruído na nossa comunicação que nos impediu de dizer um ao outro o quanto nos amávamos. Na pré-adolescência, costumava ir à casa dele nos fins de semana, época em que toda a meninada se juntava na rua para brincar de pique-pega, pique-esconde e tantas outras brincadeiras (tempo bom esse). Essa foi a maneira que eu encontrei de estar próximo a ele e das minhas irmãs, sentindo-me pertencente ao núcleo familiar. Mas, por alguma razão, não conseguia demonstrar meu afeto com palavras. Lembro-me de um dia, não recordo o motivo, eu e meu pai discutimos por bobeira e, no calor da emoção, acabei dizendo que ele não gostava de mim, que não me amava. Os dois chorando, cada um foi para um lado (aqui um adendo, meu pai sempre foi chorão, era muito coração!). Fui deitar-me em uma das camas do quarto de minhas irmãs para tentar dormir, sem sucesso. Passado um tempinho, percebi que alguém acendeu a luz, veio em direção à cabeceira da cama e começou a fazer afago na meus cabelos e dizendo, com a voz de choro, que me amava: "cara, eu te amo". Era ele, meu pai! Esse é um momento que nunca esqueci e, certamente, jamais esquecerei. Foi a primeira vez que me senti amado pelo pai e, infelizmente, não consegui retribuir esse carinho em vida, ao menos, não nessa vida. Eu creio na eternidade da vida; porque a matéria tem início e fim, não a alma, o espírito. E é nessa crença que me apego para crer que um dia irei ver meu pai novamente e ter a chance de dizer e demonstrar que sim, o amava."

Merecedor de cada uma dessas lembranças dominadas por saudade e amor, de onde está, Daniel segue sendo luz e força para os seus.

Daniel nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu em Brasília (DF), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelos filhos de Daniel, Aline, Daniel, Kaline e Karoline . Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Larissa Reis, revisado por Renata Nascimento Montanari e moderado por Rayane Urani em 28 de abril de 2021.