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Danilo Lazzarotto

1933 - 2021

Um professor que deixa o exemplo de uma vida plena e cheia de propósito.

Esta homenagem, escrita pela filha caçula, expressa o amor dela e de toda a família por Danilo:

Apesar da dor que me aperta o peito, hoje não quero lamentar a perda de meu pai. Quero celebrar sua vida e todo o legado que ele deixou. É verdade que nos últimos tempos ele já não recordava de muita coisa, mas nós, com certeza, nunca nos esqueceremos dele.

Danilo Lazzarotto foi o homem mais generoso que conheci. Dedicou sua vida a trabalhar pelo bem coletivo e sempre fez isso com altruísmo e humildade.

Nasceu no interior de Veranópolis e ainda era uma criança quando se separou da família para tornar-se seminarista. Aos 24 anos, foi ordenado frei capuchinho e como padre deixou um bonito legado. O Frei Camilo, como era chamado na vida religiosa, era querido e celebrado em muitas paróquias.

Em algumas delas, como na cidade de Marau, seu conhecimento e interesse em hipnose e parapsicologia lhe rendeu fama de milagreiro, santo ou qualquer coisa do tipo. Ele achava graça.

Ainda como padre na Paróquia São Geraldo, participou da fundação da Unijuí. Contava com orgulho ter colocado até alguns tijolos no prédio onde hoje é a sede da rua Francisco de Assis ou das muitas árvores que lá plantou. Foi um dos fundadores do curso de História e professor da universidade por quarenta e dois anos, onde fez muitos amigos entre os colegas de profissão. Recebeu da instituição uma placa de júbilo que mostrava com orgulho a todas as visitas até seus últimos dias.

Ele foi também diretor do Museu Antropológico Diretor Pestana. Quando criança, eu fazia visitas com os colegas de colégio e achava graça ao ver que grande parte do acervo tinha uma plaquinha informando que foi doado, encontrado, trazido ou escavado pelo meu pai.

Era um professor querido pelos alunos. Estimamos que tenha tido mais de 10 mil deles. Seja na Unijuí, no IMEAB, Ruyzão ou no Itaí. Muitos desses alunos apareciam em nossa casa depois das aulas, a convite dele, para comer as bergamotas do nosso pomar. E até hoje, onde quer que a gente vá, em qualquer lugar do mundo, literalmente, encontramos alguém que foi seu aluno e que se recorda dele com carinho.

Depois que deixou o sacerdócio, ele escolheu a dedo a companheira para a vida. Diz a mãe, que ele não tinha absolutamente nenhum traquejo romântico, mas, mesmo assim, conseguiu conquistar a amada e com ela se casar. O amor que nutria por ela era gigante. Foi amoroso, respeitoso e orgulhoso da esposa até o fim.

Um ano depois de casados vieram morar onde hoje é o condomínio Moara, que em tupi-guarani significa liberdade ─ nome que ele escolheu. Com auxílio de um grande amigo, encontrou um terreno, loteou, definiu que ali teria sempre 1 hectare de área preservada para uso comum e começou uma comunidade na qual morou a vida inteira. Anos depois, organizou com os vizinhos um poço artesiano que até hoje fornece água para as famílias que ali moram. Tinha um orgulho imenso deste poço. Dava copos d'água para as visitas com igual apreço que oferecia a cachacinha de butiá com grappa, que ele mesmo preparava.

Ele era um homem ativo. Talvez até hiperativo. Quando não estava lecionando, estava trabalhando na horta. Fomos criadas sujas de barro e comendo alimentos que cresciam em nosso pátio: ovos das galinhas que criávamos em casa, verduras sem agrotóxicos... Na época não entendíamos o valor que tudo isso tinha. Hoje vemos como ele foi um homem à frente de seu tempo.

Ele produzia mel. Plantava. Entendia de astronomia e me ensinou o nome das estrelas. Foi fotógrafo. Arqueólogo. Parapsicólogo. Hipnólogo. Mestre em História. Lecionava História Antiga. História do Rio Grande do Sul. História do Brasil. Antropologia. Defensor ferrenho e apaixonado pela teoria de Darcy Ribeiro. Recebeu das mãos do prefeito as chaves da cidade de Ijuí e o título de Cidadão Ijuiense. Escrevia livros. Muitos sobre História, sobre a história da família Lazzarotto e até um romance onde soltou sua veia literária.

Era imbatível no pingue-pongue e o campeão de canastra da família. "Parlava un italiano perfetto" e um pouco de espanhol e latim, mas nada de inglês. Sua coragem e disposição para aprender continuou mesmo na velhice. Aos 68, decidiu-se pelo estudo de Psicologia, chegando a prestar vestibular e cursar alguns semestres. Aprendeu a dançar depois dos 70. E, mesmo convivendo com a demência, lia jornais, revistas e também suas próprias obras, encantando-se com o que havia produzido ao longo da vida e que já não mais recordava.

Nós fomos muito mimadas por ele. Muito mesmo. Todos os dias ele acordava a mim e às minhas irmãs, dizia a hora e a temperatura que tinha escutado pela rádio e depois preparava nosso café. Uma torrada com leite ou uma polenta com salame quando ninguém havia lembrado de comprar pão. Depois, ele nos levava pra escola e no caminho eu ia tirando dúvidas sobre o conteúdo da aula, que ele sempre sabia explicar, não importava a matéria.

Filhoca, Pitchoca e Pitchoquinha eram as formas carinhosas como ele me chamava. Beijava e abraçava sempre que podia. Segurava minha mão tão forte que, às vezes, chegava a doer.

Quando o internamos no hospital, do qual ele não saiu com vida, ele me disse: "Minha filha, capriche, faça bonito na vida, pois logo tu estarás sozinha".

Ele sempre foi um homem sábio, mas desta vez estava enganado. Nem eu, nem minhas irmãs ou minha mãe nunca estaremos sozinhas. O amor de nossa família e todo o seu legado estarão conosco para sempre. E eu sei que do céu ele sempre olhará por nós.

Como ele dizia, 87 anos não é pouco. Mas, graças a Deus, Danilo Lazzarotto foi um homem feliz por todo este tempo. Que Deus o receba com alegria e que ele se reúna para sempre com os pais e com os irmãos já falecidos, dos quais ele sentia muitas saudades.

A saudade agora é minha e também de sua esposa Maria Ivone; das demais filhas: Raquel e Flávia; de seus genros: Roniel, João Paulo e Leonardo e dos seus netos: Gabriel, Antônia e João.

Danilo nasceu em Veranópolis (RS) e faleceu em Ijuí (RS), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Danilo, Daniele Lazzarotto. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 23 de fevereiro de 2021.