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Edilson Potye

1966 - 2021

Artista de alma simples, acordava todos os dias com sua amada nos braços e o gatinho enroscado em suas pernas.

Edilson — o Tico — era filho de João e Wilma e irmão de Elizethe (Li, como ele a chamava) e de Celso, todos criados da maneira mais amorosa e correta possível. Em família, brincavam que ele era o preferido da mãe, Li a do pai e Celsinho o dos avós, de maneira que todo mundo era o mais querido de alguém.

Relembrando a harmonia reinante, Elizethe afirma: “Como irmão, a lágrima que cai agora diz tudo sobre nós. Éramos agarrados, sempre juntos e, nos últimos dez anos, até no trabalho. 'Brother' de tudo, no melhor sentido da palavra”.

Era casado com Alessandra e formavam um casal que todos admiravam. Os dois, apesar de serem ambos de São Paulo, conheceram-se em Santa Catarina quando passavam férias na Praia do Rosa. Desde então, grudaram um no outro e assim foi durante os vinte e sete anos em que permaneceram casados. "Alessandra diz sempre que, além do namorado, perdeu o seu melhor amigo, e que não vai encontrar alguém que a entenda e se importe com ela tanto quanto ele".

Ele era o PAI, com letra maiúscula, de Gabriella (Gabi) e de Isabella (Isa). Cuidava, participava de tudo, incentivava, era sempre muito presente e o maior fã de todas as conquistas das duas. Nunca faltou a nenhuma festa ou reunião da escola e tudo que elas precisavam dele, ele resolvia. Ele as educou com muito carinho e também postura. "As duas vivem dizendo, quando algo de bom lhes acontece: 'O papai ia amar estar aqui vendo isso'", conta Li.

O que Edilson mais amava fazer era reunir as pessoas. Amava praias, onde surfava, mergulhava e nadava; e amava se colocar com Alessandra à frente dos churrascos, com amigos em volta da mesa. Preparar esses encontros já era festa pra ele. Amava cozinhar e era muito ordeiro: ao terminar, quase sem que os outros percebessem, já organizava tudo, e com o mesmo entusiasmo que demonstrava ao receber as pessoas. “Caramba, era uma delícia, risadas na certa. Incrível como ele reunia todas as tribos em volta de sua mesa com tanta alegria e prazer”, diz Elizethe. E ela o descreve:

“A cidade o deixava tenso, mas sempre dava um jeito de escapar para aproveitar um pouco! Esportista, amava o mar, praticava boxe, gostava da ordem em casa e no trabalho. Amoroso, era cuidador de todos, até dos bichinhos de rua. Era tímido na altura da voz; seu sorriso era miúdo e quando gargalhava ficava vermelhinho.

Cozinheiro de mão cheia, desde muito cedo era ele quem preparava nosso lanche quando adolescentes e chegando das baladas. Rapidinho preparava um carpaccio daqueles, do nada. Era ele em pessoa que queria ir ao mercado para as compras e escolhia a dedo os ingredientes. Era bom demais nisso!

Tinha muitos amigos, eu nem sabia que eram tantos, causando tamanha comoção quando partiu. Era muito meu amigo também; era alguém com quem eu podia contar a qualquer hora e para o que fosse, e ele sabia que eu era assim com ele também. Em muitas situações éramos cúmplices, parceiros, sempre presentes um para o outro. Ele se abria comigo e eu com ele. Nós éramos amor incondicional, irmãos no melhor sentido da palavra e não passa um dia sem que eu não pense em contar ou mostrar alguma coisa pra ele. E em muitas situações choro muito por isso.

Cursou a Escola Panamericana de Artes, trabalhava como designer gráfico e era craque no que fazia: todo mundo corria para ele quando o assunto era criação. Tinha um gosto refinado para as artes gráficas e as filhas herdaram isso dele. Gabi é atriz e diretora de vídeos, e Isa faz o mesmo que o pai, uma mega profissional. Ele estaria muito orgulhoso em ver o desempenho delas.

Quando trabalhava com agências de modelos, incentivou e fez todo o trabalho gráfico da Giovanna Ewbank. Era vizinho dos pais dela desde quando nasceram os filhos e foi ele que conduziu e acompanhou pessoalmente todo o processo inicial dela como modelo que, desde muito novinha e até hoje, o chama de padrinho."

A irmã conta que ele se juntou a ela em seu negócio: “Eu cuido do atelier, ele e a Ale da loja e café. Muito prestativo, sempre que eu precisava de algo ele dava um jeito e corria. 'Edi preciso furar um cachepô gigante de uma aluna', ele vinha com a super maleta dele de faz-tudo e furava. Depois de sua morte várias pessoas que nem conhecíamos vieram nos abraçar pelo sentimento. Gente que nem a gente sabia que ele ajudava.

Uma vez uma senhorinha viúva, que havia se mudado recentemente para o bairro, pediu que ele entregasse na casa dela algumas coisas que ela tinha comprado na loja de móveis de madeira de demolição e presentes. Ele demorou a tarde toda para voltar porque a senhorinha pediu pra ele pregar um quadro na parede. Daí pra frente, ele a ajudou a colocar tudo no lugar na casa. Pregou todos os quadros e arrumou a melhor disposição dos móveis na sala. A senhorinha 'alugou' o meu irmão e ele não conseguia não ajudar, dizia que ela era muito sozinha e ficava com peninha dela. Muito querido esse mano!

Nas horas vagas, a praia era seu lugar preferido. Quando não estava nela, gostava de receber as pessoas ou assistir a filmes, TV ou ir ao cinema. Seu amor pelo surfe começou muito cedo. Brinco que, em outros tempos, fomos uma família de peixes: nós amamos o mar! Meu irmão começou a surfar na praia onde tínhamos casa, logo depois no Litoral Norte todo e depois em outros mares. Todo ano, nas férias, íamos para Santa Catarina. Foi lá que ele conheceu a Ale, e eu sempre brincava com eles: 'Quem disse que amor de praia não sobe serra? O de vocês subiu várias!'. Ele amava tanto o mar, que dizia que era nele que suas cinzas deveriam ser lançadas quando partisse. Nós as levamos para Maresias, que foi durante muitos anos seu lugar preferido para surfar.

Habilidoso na cozinha, mergulhava, pescava, depois assava o peixe com orgulho. Era bom em temperar qualquer comida. Tudo ficava uma delícia! O ceviche dele era imbatível. Churrasqueiro de mão cheia, mesmo quando era convidado dava um jeitinho de chegar na grelha, participar e ainda servir os outros de acordo com o gosto de cada um. O churrasco dele era especial porque era feito com amor."

Entre as histórias mais marcantes que viveu com o irmão, Elizethe conta que foi a primeira a saber e apoiar a gravidez deles. "Eles ainda namoravam, mas em casa ele já havia dito que era com ela que ele iria se casar. Quando a Gabi nasceu, quase entro na sala de parto, porque ele estava ocupado 'correndo' com os papéis do hospital. Foi hilário isso! Eles me chamaram e por isso eu estava lá antes de toda a família italiana! Quando ele veio me mostrar a Gabi recém-nascida, na 'vitrine' da sala do parto, só nós dois e ela, ele chorou, olhou pra mim, estendeu a bebê na minha direção e disse: 'Li, nasceu a nossa Gabi, olha como ela é maravilhosa!'. Choramos juntos, e a amamos juntos e muito naquele nosso momento. Choro eu agora sozinha ao lembrar...”

Elizethe segue contando o que mais a faz lembrar o irmão:

“Tinha o hábito de andar tão bem vestido que era até difícil presenteá-lo. Ele torcia para o São Paulo. Sua música predileta era 'Vienna' do Billy Joel, foi por isso que a escolhemos para tocar em seu velório enquanto passávamos suas fotos, antes da cremação.

Sonhava morar na praia, para abrirmos uma pousada onde trabalharíamos juntos com a produção de cerâmica. Inclusive antes de ele adoecer já estávamos planejando a viajem ã Península de Maraú pra conhecer e estudar o lugar. É por isso que o cheiro do mar me traz recordações dele."

Irmão, companheiro, criador gráfico maravilhoso; caprichoso em tudo o que fazia, pai amoroso, churrasqueiro de primeira, amigo presente, prestativo, solícito, amável, um cara muito legal! Um filho querido, deixou muita saudade!

Com meu irmão aprendi que a amizade, a parceria e o amor permanecem muito além do ponto da nossa partida. Por isso, as pessoas que estiveram perto de nós, na nossa jornada, nunca vão nos esquecer. É isso o que fica de nós pro mundo.”

E Elizethe finaliza sua homenagem dizendo:

“Que sorte a minha e de tantos mais, em poder ter o Tico perto de nós pelo tempo que nos coube. Ninguém é perfeito, mas somos perfeitos para muitos e isso se chama amor. Quero crer que não somos só isso aqui, somente essa história. Por isso, eu creio e confio que vamos nos encontrar novamente, e quando isso acontecer vamos ser de novo amor e amizade juntos...e tudo vai voltar a ser legal."

Gabriella, uma das filhas de Edilson, também homenageia o pai:

“Meu pai não gostava de filmes com finais tristes. Por isso, tenho pensado muito em como seria a homenagem que eu escreveria para ele e, das tentativas, uma palavra sempre aparecia: legado!

Meu pai acordava todos os dias com um gato entre os pés e minha mãe entre os braços. Me ensinou a amar e respeitar a natureza, a vida, os animais, as pessoas.
Ele sabia que a empatia existia na convivência, por isso trazia todos sempre para perto.
Ele queria o simples. Viver perto do mar, com sua família.
Meu pai tinha um dom enorme com as mãos. Ele desenhava como ninguém. Os quadros que minha avó pintava, a maioria foram riscados por ele.
Ele construía, pregava, soldava, transformava o feio em belo num piscar de olhos. Madeira em móvel, parede em porta, cinza em verde.
Meu pai era artista.
Meu pai era esportista, surfista, pugilista, saudável, ético, sem comorbidade.
Meu pai já me salvou de sequestro, de ansiedade, de assédio.
Ele já me salvou de dores de amor, de medo de vomitar, da insegurança com a minha carreira.
Ele me acompanhou em todos os jogos de futebol que joguei, aplaudiu e participou da realização de todas as peças e projetos que eu já fiz.
Depois de sua partida, meu coração acorda e vai dormir apertado de saudade, mas me recuso a acreditar que é um final triste, porque finais tristes não tem a cara dele.
Esse é o começo. Começo de uma força que cresce dentro de mim, disposta a lutar, a criar e te honrar, pai, em todos os dias que eu viver.
Te amo muito papito! Você vive pra sempre em mim."

Edilson nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Osasco (SP), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã e pela filha de Edilson, Elizethe Potye e Gabriella Potye. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso e Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 16 de novembro de 2023.