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Erastotenes Barbosa de Souza

1925 - 2020

O dono de bar mais cativante de Valparaíso que fazia contas "de cabeça" sem errar e não vivia sem um bom forró.

Batalhador, nunca deixou faltar nada para a família. Desde muito novo, saía de casa para trabalhar deixando a esposa e os filhos. O homem modesto e trabalhador colocava comida em uma vasilha, as roupas em um “embornal” e ia em busca do sustento e das oportunidades. Às vezes demorava dois, três, seis meses para voltar, mas sempre voltava.

Amoroso, dividiu muitos anos de afeto e amor com a companheira de vida. Construíram uma linda união que se fortaleceu no afeto e no respeito. Carinhoso, gostava de presentear a esposa com cortes de tecido que se transformavam em lindas peças de roupa e enfeitavam ainda mais a belíssima companheira. Tiveram oito filhos e, depois, seu Erastotenes cuidou ainda de outros oito, sempre ensinando um pouco sobre a vida, e muito sobre viver.

Foi pai, avô e bisavô amável e presente. Depois de aposentado abriu um bar ao lado de casa, onde amava se reunir e jogar conversa fora com os amigos, quase sempre senhores aposentados, mas também muitos jovens que gostavam de ouvir um pouco da sabedoria de seu Erastotenes. Quando os netos faziam uma visita, lá ia ele agradar os queridos, sempre com uma balinha de presente ou um salgadinho para encantar.

Ensinou aos filhos que andar no caminho da honestidade pode ser difícil, mas é a estrada que mais vale a pena e que tem a vista mais bonita. Tinha pouco estudo, mas era muito bom em matemática, e melhor ainda nos conhecimentos da vida. Homem de palavra, nunca precisou assinar nenhuma nota promissória, sua palavra bastava.

Animado, sempre gostou muito de festas. As reuniões de família e confraternização de amigos eram momentos de grande alegria para o baiano, que era apaixonado por forró. De vez em quando a família precisava esconder os cds, porque se dependesse de seu Erastotenes, a noite inteira se acabaria em música e muita dança. Também era fã de samba, e gostava muito de Bezerra da Silva e de Zeca Pagodinho.

Acolhedor, sempre ajudou quem a ele recorresse em busca de amparo. Gostava de ir à feira aos domingos, fazer uma compra não exagerada para desperdiçar, mas com fartura suficiente para a família e a quem quer que chegasse precisando de um prato a mais. Era simples até na refeição. Gostava muito de arroz, feijão e banana, amava carne de panela e mocotó.

Tinha muito orgulho do nome que carregava (Barbosa Souza) e da história de fé e luta que vinha junto com ele. Sabia que havia feito o melhor pela família da forma como pôde, e ficava honrado ao ver todos os filhos e netos no caminho do bem. Homem cheio de bordões, adorava dizer que não importa o que aconteça, “o homem tem que ser sincero.”

Nunca reclamava ou se entristecia. Podia chorar de vez em quando, mas não agasalhava tristeza no coração. Não havia espaço em sua alma imensamente bondosa para sentimentos ruins. Dizia sempre que estava bem, não gostava de preocupar os familiares e amigos. Ensinou que "O mundo é pequeno demais pra gente morrer num lugar só; é preciso coragem para ir em busca dos sonhos."

O senhor franzino de coração gigante e sabedoria enorme deixa saudades. Faz falta sua agilidade para fazer contas, e ninguém dança forró como ele. Mas nem tudo está perdido. O bar continua aberto, sob a direção do filho que leva orgulhosamente o nome, e os ensinamentos de honestidade e sabedoria que só seu Erastotenes conhecia.

Do outro lado, o baiano segue amando e cuidando dos seus, com a certeza de que a saudade é imensa, mas breve. O reencontro acontecerá quando chegar a hora, ao som de muito forró e com gostinho de mocotó.

Erastotenes nasceu em Brumado (BA) e faleceu em Valparaíso (SP), aos 95 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Erastotenes, Deserie Paulo de Souza Cano. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso, editado por Bárbara Aparecida Alves Queiroz, revisado por Ana Macarini e moderado por Lígia Franzin em 30 de abril de 2021.