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Erieldo de Albuquerque Autran

1937 - 2020

Era a força que todos querem ter, o amor que preenche o coração e a fé que transborda os sentidos.

Seu sobrenome podia ser Autran – como era mais conhecido –, mas seu nome do meio com certeza deveria ter sido “único”. Seu Autran, ou então Lau (para os íntimos), encontrou o amor de sua vida, Donilia, e fez de tudo para conquistá-lo. Essa história poderia até ter sido enredo de alguma das novelas que Lau assistia tão fascinadamente como o bom noveleiro que era.

“Meu pai sempre contava do amor que sentia por minha mãe. Ela era do interior e veio trabalhar como doméstica na cidade grande. Os patrões dela não queriam permitir esse casamento, então meu pai foi até o interior e pediu ao meu avô permissão para se casarem. Quando voltou de lá, com a ajuda de seu irmão mais velho, conseguiu tirar minha mãe daquela família que a mantinha presa. Então eles casaram e viveram uma linda união por mais de 50 anos”, conta a filha mais nova Paula.

Dono de um coração enorme, Lau estava sempre pronto para ajudar quem quer que fosse, era capaz de tirar dele para auxiliar o próximo. Mas se tinha alguém que deixava esse coração apertado era o cantor Roberto Carlos. Tudo porque Donilia era apaixonada pelo cantor e Lau sentia muito ciúme. Paula conta que dizia para ele ‘Painho, estás com ciúme do Rei?’ e ele respondia ‘Ela fica toda boba olhando ele cantar, então eu vou aprender essas músicas, porque aí eu que vou cantar pra ela’. E foi a partir daí que ele começou a gostar do Roberto Carlos, esse gostar que surgiu do ciúme.”

Com Donilia, o grande amor de sua vida, Lau teve seis filhos: Virginia, Maria José, Vera Lucia, Erieldo, Eupidio e Paula; onze netos e doze bisnetos. Sua família foi o bem mais precioso que conquistou ao longo da vida. Estar na companhia deles era algo que o deixava alegre. Paula lembrou de uma memória marcante de sua infância a respeito de um clube de campo só para taxistas que costumavam ir juntos.

“Lá tinha piscina, campo de futebol e um lugar para fazer um piquenique. Íamos nesse clube de campo há muitos anos. Era domingo sim, outro não. Cada tio meu pegava a família e ia pra lá, meu pai colocava a gente dentro do táxi e íamos também. Quando chegávamos, os irmãos iam jogar bola, os primos iam pra piscina, enquanto as mães preparavam o piquenique. Meu pai amava ir lá. Era uma época que ele estava mais ativo, no vigor de trabalhar como taxista.”

O táxi sempre foi o fiel escudeiro de Lau. Durante 30 anos, os dois estavam juntos para desbravarem as ruas de Recife. E essa era a maneira mais usual para Lau conhecer as pessoas. “Ele tinha uma facilidade enorme de se comunicar, era muito carismático. Amava conversar, não podia ver alguém parado que já puxava uma conversa. Por onde passava, fazia amizades duradouras.”, relembra a filha caçula.

“A gente brincava que já estava passando do prazo de validade – no sentido que a gente não queria mais que ele dirigisse – e, mesmo assim, ele queria renovar a carteira. Aos setenta e poucos anos, ele dizia ‘Paulinha, eu preciso renovar minha carteira. Me ajude’, eu dizia que ele não podia mais dirigir e ele ‘Posso sim’. E foi e renovou. A alegria dele era dirigir, era sua paixão.”

Lau trabalhava em prol da família, seu grande prazer era cuidar e oferecer o melhor para os seus. Desde jovem ele teve que trabalhar muito e correr atrás dos objetivos, nada caiu do céu para ele. Paula diz que “mesmo sem ter um diploma, ele buscava conhecimento. Costumava ler a Bíblia e dizia que era um livro de sabedoria prática. O que eu mais via meu pai fazendo diariamente era ler. Ele tinha uma força de vontade enorme, aprendeu inglês sozinho para trabalhar em uma empresa.”

Extremamente ativo, Lau não se contentava em ficar parado. Adorava passear no calçadão, caminhar e fazer seus exercícios pela manhã, mesmo que fosse no quintal de casa. Seu lema era exercitar o corpo e a mente. “Ele me dizia ‘Minha filha, mente vazia oficina do diabo, então a gente precisa alimentar nossa mente com coisas boas’”, menciona Paula.

Mesmo quando já não podia mais trabalhar, companhia não era o que lhe faltava. Encontrou cumplicidade em jogos como dominó, palavras cruzadas, forca e damas para passar os dias. “Sempre que ia visitá-lo, eu mal chegava e ele ‘E aí, minha filha, posso pegar lá o dominó?’ Seu vício era jogar dominó. Mas não queria perder não, ficava bravo demais.”, lembra Paula, saudosa.

Entre seus passatempos preferidos estavam assistir aos jogos de futebol do Sport, seu time do coração, filmes, especialmente os de ação e, claro, suas novelas. “Ele tinha um problema de audição desde pequenininho em um dos ouvidos, então quando a gente chegava na casa do meu irmão – com quem ele morava –, o volume da tv do quarto dele estava sempre lá nas alturas.”

Adorava brincar, cantar, dançar, contar histórias e se divertir com piadas. “Nunca vi o meu pai triste, por mais que estivesse, não deixava transparecer para ninguém, pra que nenhum dos filhos absorvesse alguma preocupação. Felicidade é a palavra que define ele. Ele aproveitou bem a vida.”

Um homem muito sábio, deixou vários ensinamentos que viverão em cada um dos filhos, netos e bisnetos. Mas a maior lição que deixou foi a empatia e como ser um exemplo de homem.

Erieldo nasceu em Recife (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido Filha de Erieldo, Paula Raquel Autran de Vasconcelos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Rayane Urani em 21 de março de 2021.