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Eva Alves de Souza

1968 - 2020

Ao comprar sapatos, ela já procurava direto a vitrine dos calçados infantis, pois calçava 33.

Na pequena estatura de Eva morava uma mulher forte, trabalhadora e que foi um dos esteios de toda a família. Em todas as dimensões de sua vida, tudo aquilo que se propunha a fazer era realizado com perfeição, pois era movida constantemente pelo princípio: “se é preciso fazer, faça bem feito”.

Com menos de um metro e meio, Evinha, como era carinhosamente chamada, sempre lidou bem com sua altura. Com seu olhar perspicaz, sempre encontrava para si, sapatos infantis que lhe agradassem e combinassem com seu jeito alegre e cheio de energia.

No mundo profissional, Eva trabalhou em vários supermercados de bairro. Contratada inicialmente como caixa, graças a seu empenho e habilidade em ouvir e lidar com pessoas, rapidamente passava a ocupar o cargo de encarregada. Nessa função, tornava-se responsável por cuidar do desempenho da equipe, tarefa que exercia com muita eficiência.

Outra atividade laborativa de Eva era o comércio de roupas femininas. Na verdade, essa era uma estratégia para ganhar um dinheirinho extra e, principalmente, para viajar. Ela gostava muito quando seguia em excursões de compras para o Paraná, São Paulo e Goiânia. Aproveitando algumas de suas viagens, comprou todo o enxoval do neto Joaquim, filho de Tatiane e também o de outras pessoas da família. Para os de casa, além de realizar as compras, os produtos eram repassados a preço de custo.

Mãe de Tatiane, Paulo e Fábio, demonstrava uma dedicação incrível aos filhos. Assim, Eva tinha um cotidiano intenso com dupla jornada de trabalho. Em casa cuidava de tudo: da limpeza a uma deliciosa refeição. Era impossível não observar, por exemplo, a brancura do uniforme de Fábio. No açougue onde trabalhou, era comum que clientes se impressionassem com a limpeza de sua roupa, sempre branquinha.

Por sua vez, Tatiane teve que mudar o estilo do que costumava vestir para ir trabalhar. Ela comenta que não pode mais comprar alguns tipos de roupa, porque não sabe passar. É que Dona Eva sempre cuidou dessa tarefa e, com mãos de fada, as deixava impecáveis. Não importava o tecido, o modelo ou o tipo de peça, “ela passava como se fosse a passadeira de um hotel de luxo”, explica a sobrinha Leidiane.

No tocante ao zelo com as roupas, não foi diferente com o filho Paulo. As calças e camisas dele estavam sempre impecáveis e todos os colegas do banco observavam e comentavam o quanto a mãe era caprichosa. Mas o cuidado ia além disso, pois Eva construiu uma relação muito afetuosa com todos os filhos. E apesar dos desafios apresentados pela vida, sempre esteve ao lado deles com seu amor incondicional. A tal ponto que, quando se casou, Fábio acabou comprando a casa ao lado, para continuar perto da mãe. E todos os dias Dona Eva ligava para os filhos, mesmo os que moravam juntos com ela, para saber como estavam, as novidades do dia, do ambiente de trabalho e também sobre os amados netos.

Por falar em netos, a relação de Eva com Vinícius, Vivian, Joaquim e Anelise também foi marcada pela mesma dedicação e amorosidade. Muitas vezes acompanhava as crianças na ida ao pediatra, e nos encontros era sempre a avó carinhosa.

Na teia de afetos tecida por Evinha, também está a relação com a mãe, Dona Maria Gerluce. A filha cuidava mais de perto das questões de saúde da mãe. Marcava e acompanhava as consultas médicas, pois estava sempre atenta ao que Dona Maria sentisse. Ela também fazia as compras, pois sabia muito bem do que a mãe gostava.

Como filha mais velha, na infância, Eva ajudou a cuidar dos irmãos, Evanice e Evanildo. Uma proximidade e zelo que perduraram por toda a vida. Eva tornou-se a conselheira dos dois, que sempre buscavam ouvi-la em muitas situações. Até mesmo os parentes que moravam mais distantes, em Cacoal, no estado de Rondônia, eram sempre lembrados por Eva. Com regularidade ela telefonava para saber e dar notícias, em prosas que mantinham o afeto.

Evinha era mesmo fundamental para a união de toda a família. As festas de Natal, Réveillon, aniversários e outras ocasiões especiais, sempre eram organizadas por ela. Depois de sua morte, a dúvida era geral... “Quanto de arroz faremos para o almoço? Quanto se compra de frango para preparar o arroz com galinha? Quantos salgadinhos são necessários para a festa?” Porque Eva cuidava de tudo e fazia questão de preparar cada item do cardápio com o maior cuidado.

Outro exemplo de como Eva foi marcante na vida dos familiares é o depoimento de Leidiane. A sobrinha diz que as duas sempre estiveram muito próximas. Uma das características destacada pela sobrinha, era a habilidade para apaziguar desentendimentos nas relações. Muito serena e tranquila, ela sabia ouvir e, com seu jeito apaziguador, provocava a reflexão das pessoas. Certa vez, numa festa de Natal, ao perceber uma situação de conflito — e com sua calma costumeira — ela conversou com os envolvidos, pediu que todos se juntassem para uma oração e lembrou que nada devia ser maior que a união familiar.

No ato cotidiano de cozinhar, Eva sabia fazer de tudo. Todos da família apreciavam o sabor dos pratos preparados por ela e diziam que devia abrir um restaurante. O bolo de fubá cremoso com queijo feito por ela era sucesso garantido. O mesmo valia para a sopa paraguaia, prato típico do Mato Grosso, que apesar do nome é assado e preparado com ovo, leite, milho, cebola e queijo.

Nas horas de lazer, Eva amava assistir a filmes e séries, além de escutar músicas, sendo fã de Cyndi Lauper e de uma banda regional chamada Erre Som. Nas festas, até parecia que as jovens eram ela e a irmã Evanice. As duas dançavam muito e garantiam a animação. Outra paixão em sua vida eram os cãezinhos da raça Lhasa Apso, dos quais cuidava com muito carinho.

Devota de Nossa Senhora Aparecida, Evinha segue na memória de todos da família como a baixinha forte, alegre e disponível para ajudar a quem precisasse. E sempre será lembrada a cada floração das rosas-do-deserto que cultivava.

Eva nasceu em Pedra Preta (MT) e faleceu em Cuiabá (MT), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Eva, Leidiane Michelle de Souza Maia Marques. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 30 de agosto de 2021.