1959 - 2020
Registrou a vida num inesquecível ensaio fotográfico, repleto de sorrisos e de afetos.
Sempre com os cabelos, as sobrancelhas e as unhas impecáveis, ela não se fazia de rogada: tirava muitas "selfies" com os colegas de trabalho, com os filhos, com os netos e com Nina, a cachorrinha — sua "filha peluda". Assim vivia a gaúcha Fátima Regina, fazendo jus ao nome de batismo: era a rainha do sorriso, estampado em dezenas de registros.
"Vamos parar e tirar uma foto? A mãe não era como a maioria das pessoas, que entram no carro e só param no destino. Ela curtia a viagem até na volta! Se tivesse sol, ela curtia; se chovesse, curtia também! E no lugar, então, ela vivia o momento, entende?", explica a filha Thayse.
Carismática e pé na estrada, a vida de Fátima pode ser narrada por meio das fotografias em que aparece com seu sorriso largo e espontâneo. Ela não perdia a oportunidade de eternizar as boas experiências compartilhadas em cada roteiro. Achava alguma coisa ou um lugar interessante, clicava. Quando foi à Bahia, fez questão de posar vestida como uma baiana tradicional, de roupa rodada e rendada. Thayse revela: "Até a caminho do hospital ela tirou uma 'selfie' alto-astral".
Nos feriados, fazia as malas para visitar o netinho Arthur. Planejava as férias na praia com os parentes e demonstrava que cada quilômetro da estrada valia a pena ser desfrutado com bom humor. "Minha mãe amava a vida! Era uma pessoa SENSACIONAL! Tinha um abraço de urso, tão bom... Zelava por todos nós e adorava o trabalho que exercia: gestora de farmácia". A filha conta que Fátima Regina entrou na empresa como atendente, há cerca de quinze anos, e foi assumindo postos cada vez mais relevantes.
Os olhos verdes de Fátima também sorriam. Principalmente quando saboreava o "seu verde topetudo", o estimado chimarrão. Thayse garante que a mãe cultivava a legítima tradição campeira e trazia no olhar o tom dos pampas de sua cidade natal. De acordo com a filha, são "imagens vívidas que ela compartilhava nas redes e no aplicativo de mensagens com a família e com os amigos".
Atualizada, Fátima adaptou-se muito bem à era digital. Estava frequentando um curso de unhas em gel, antenada com as tendências da esmalteria decorativa. Treinava o aprendizado nas próprias mãos e postava o resultado na rede social. No perfil da matriarca, há vários registros dos testes que conduzia: numa semana a cor era rosa e os detalhes ficavam por conta de pequenas gemas. Noutra, um tom avermelhado bem escuro seguia um colar de minúsculas pérolas no polegar. Podia ser também uma bela flor na unha do anular e um punhado de estrelas de "glitter", no dedo mindinho. "Mamãe era mais ligeira do que o Super Sonic, principalmente ao postar no aplicativo", diverte-se Thayse.
Feminilidade e estilo faziam parte da personalidade de Regina. Aos 18 anos, conheceu o marido, com quem teve os três filhos. Eram colegas de trabalho na mesma organização: ela era secretária e telefonista, ele supervisor de vendas. Casaram-se em 1977 e divorciaram-se em 2010. No álbum de casamento, é possível ver a igreja inteira enfeitada com rosas vermelhas. "Mamãe amava rosas vermelhas de paixão. O buquê era feito com rosas dessa cor; tudo tinha rosas vermelhas naquele dia especial", recorda Thayse, que, para homenageá-la, tatuou a flor preferida da mãe no antebraço.
Vermelha é também a camisa do time do coração de Fátima: o Internacional. Domingo de jogo não faltava churrasco ao som de música regional, chimarrão e caipirinha. Às vezes a reunião familiar acontecia no clube ou na piscina. Depois, vinha o café. Aliás, café era a bebida escolhida para a rotina de prosa entre Thayse e a mãe: "Filha, estou indo aí, passe um café!" avisava. E não faltavam bolos, panetones e outras guloseimas para edulcorar a convivência.
Avó coruja, acompanhava de perto as peraltices de Júlia e Arthur. Nessas ocasiões, Fátima deixava as provas de amor imortalizadas nos cliques, repletos de beijos nas bochechas, colo, carinho e risadas, fotos que hoje amenizam a saudade da presença iluminada dela.
De opiniões fortes, Fátima procurava orientar os filhos com as palavras certas. Porém, se percebia que eles não lhe davam ouvidos, perdia a paciência, soltava logo um palavrão e depois completava: "Olha eu aqui na minha idade firme e de pé. Estou aposentada e trabalhando. Se enxerga, guria! Reclamando da vida por nada. Vá lavar um banheiro com alvejante!", ralhava.
Outro xodó de Fátima Regina era a cadelinha Nina, presenteada por Thayse ainda filhote e hoje com 13 anos. "Era a filha peludinha da mãe. A mãe só saía se a Nina pudesse ir junto ou se eu pudesse cuidar dela; daí ela saía tranquila", afirma Thayse, que herdou a guarda de Nina, zelando para que nada lhe falte.
"A mãe falava mais que 'o homem da cobra', mas era delicioso estar com ela. Fátima colecionou amigos e fotos a vida toda. "Ela falava, falava, falava... Perguntava e respondia a própria pergunta, sem tempo ruim. Nunca! Sentimos a falta dela todos os dias. Que onde ela estiver,
esteja bem e cuide de nós. Está muito difícil sem você, mãe!".
Fátima nasceu em Passo Fundo (RS) e faleceu em Passo Fundo (RS), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Fátima, Thayse Bastos. Este tributo foi apurado por Claiane Lamperth, editado por Luciana Assunção, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.