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Francisco Iran Alves Magalhães

1939 - 2020

Ensinava que nas coisas simples se encontrava o valor da vida.

Colecionador dos mais diversos talentos, Iran ou Iranzinho como gostavam de chamá-lo, foi um homem que viveu profundamente o que suas oito décadas de jornada lhe proporcionaram. Muito sábio, culto e letrado, tinha como passatempo preferido se aventurar no nível difícil das palavras cruzadas da revista A Recreativa.

Dono de um vocabulário riquíssimo, a filha Ivanise gostava de chamá-lo de “enciclopédia ambulante”, e recorda quanta palavra rebuscada encontrava nas cartas do leitor dedicado que foi seu pai.

A sabedoria se estendeu para além das palavras e ganhou ainda mais expressividade no modo como Iran encarava a vida. Sempre dizia que o dinheiro não significava tudo, e que as pessoas é que eram os bens mais valiosos. A família para ele era sagrada e por isso, além da que construiu, nunca desamparou as duas irmãs que não se casaram e a mãe. Mesmo lutando para criar os cinco filhos, fez o sacrifício que foi preciso para dar assistência enquanto a mãe e as irmãs precisaram.

Por 54 anos, Iran construiu e cultivou uma linda história de amor com Maria Vilani. Mesmo depois de ser acometido pelo Alzheimer, ainda levantava de madrugada e beijava a cabeça da esposa. Dizia: “Você é meu amor, você é muito linda”. Antes de partir fez um pedido especial: “Cuide da minha velhinha!”.

Antes de conquistar a formação de Engenheiro Agrônomo - alcançada só depois do nascimento da última filha e diante de muitos desafios de mobilidade e financeiro - Iran trabalhou como mecânico, o que aumentou ainda mais sua paixão por carros. Os olhos brilhavam por automóveis que quase já não andavam mais, e era certo que encontraria Iranzinho ajeitando o Escort verde ou o Gol antigo cor creme.

A canção “My Away” eternizada na voz de Frank Sinatra emocionava Iran toda vez que ouvia e cantava junto. Cantou essa canção - cuja mensagem é sobre viver uma vida completa - no hospital, enquanto tentava prolongar sua caminhada entre aqueles que amava. Apesar de ter deixado de habitar seu corpo físico, o espírito que ele acreditava continuar vivo após a partida terrestre se juntou a outro legado que Iran deixou:

“Vai ser lembrado por seus bons ensinamentos e sua solidariedade. Era um ser de luz, um anjo que cresceu neste mundo para nos ensinar a sermos sempre melhores”, relata a filha caçula Ivanise.

Razões para se emocionar ao lembrar da figura do pai e posteriormente o avô que foi seu Iran, os filhos têm de sobra. Figura de calma e paciência, Iran evitava brigar com eles. Sempre dizia à esposa em momentos de conflito: “Tenha calma, tudo se resolve com a conversa. Eu não quero briga, são nossos filhos e é conversando que se entende.”

Uma vez, quando a esposa pediu para ele pôr ordem nos filhos, Iran muito pacientemente anotou a palavra "ordem" no papel e passou na cabeça de cada um.

E assim ele viveu, contornando as situações com um sorriso no rosto, contando as histórias da sua vida e sempre ensinando os bons valores.

A filha Ivanise acredita que o pai despediu-se dela na tarde do dia 4 de junho de 2020, quando ao olhar pela janela, vislumbrou um lindo céu e o balanço agitado das folhas; um vento macio que parecia abraçá-la a deteve por meia hora na varanda de casa.

Foi por reconhecer que o valor da vida está acima do material que Iranzinho deixa riquezas incalculáveis nos corações que aqui ficaram.

Francisco nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Francisco, Ivanise Ferreira Magalhães. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Júllia Cássia, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 25 de setembro de 2020.