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Francisco Nogueira da Cruz

1937 - 2020

De chapéu na careca e navalha na mão, realizou seu sonho como barbeiro. Mais que isso, fez feliz sua família.

Chico, o barbeiro. Assim era conhecido pela população de Rio Branco, no Acre. Para os familiares, era o tio Fransquin ou vô Chico. Nascido em Boca do Acre (no estado do Amazonas), ainda novo, mudou-se para Sena Madureira (já no Acre). Para ajudar sua mãe e os nove irmãos, aprendeu a cortar cabelo. Não foi uma vida fácil, mas fez tudo o que pode para auxiliar sua família.

Mesmo com as adversidades, investiu na carreira de barbeiro, e no ano de 1961, mudou-se para Rio Branco, onde finalmente conseguiu montar sua barbearia, junto com grandes amigos que a vida proporcionou. Ali começou a realizar seu sonho: ter a barbearia mais tradicional de Rio Branco.

“Meu avô, junto com a minha avó - a quem tanto amou - criaram seus seis filhos, sob as mais diversas dificuldades que a vida poderia ter trazido. Meu vô sempre batalhou com unhas e dentes para sustentar a família. Assim ele o fez. Cortou cabelo e fez a barba do filho, do pai e do vô do filho, de uma geração inteira, de cidadãos rio branquenses”, relata com orgulho seu neto Gabriel.

Chico sempre foi uma pessoa feliz, e não gostava de ver ninguém triste. “Ai daquele que ele visse com cara emburrada. Dá até para imaginar ele aqui do meu lado, falando para eu parar de chorar enquanto escrevo essas palavras”, diz o neto, emocionado. Ele era assim, a quem estivesse triste na frente dele, fazia questão de dar um belo sermão de vida. Ou de contar umas piadas.

Depois de um longo dia de trabalho, adorava jogar paciência no computador. Aos finais de semana, durante as reuniões familiares, gostava de jogar dominó com os filhos, sobrinhos, netos e amigos. Assistia sempre aos jogos do Flamengo na TV e nunca dispensava uma festa, pois gostava muito de “dançar um xotezinho e tomar uma dose de cachaça com rapadura para ferver o sangue", como diz Gabriel, pois: "Ele tinha essa mania devido a sua ascendência nordestina”.

Chico sentia-se completo e feliz quando via sua casa cheia de familiares e, graças a ele, a família continuou unida, apesar das turbulências que a vida trazia. “Meu vô tinha um coração tão grande que cabia muita gente, pois ele sempre acolhia a todos, os filhos, sobrinhos, os genros, os netos e amigos”, conta o neto.

Ele era uma pessoa forte, guerreira, humilde e solidária. Acima de tudo, feliz. Mesmo quando cansado, transmitia uma boa energia, que contagiava a todos. Quando chegava em casa, gostava de abraçar e abençoar os netos que ali estavam.

Gabriel faz uma última declaração ao querido avô: “Agradeço a Deus, todos os dias, por me permitir ter um avô tão maravilhoso como o senhor. Tenho certeza de que um dia nossa família vai estar novamente reunida numa mesa bem grande para caber todo mundo, mas dessa vez não terá mais dor e nem sofrimento. Vamos sempre te amar e te guardar no coração, meu avozinho”.

Francisco deixa saudades eternas para os seus amados seis filhos, nove netos, mais de vinte sobrinhos, familiares, amigos e para os vários clientes da barbearia em Rio Branco.

Francisco nasceu em Boca do Acre (AM) e faleceu em Rio Branco (AC), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Francisco, Gabriel da Cruz Maia. Este tributo foi apurado por Júllia Cássia, editado por Marcela Matos, revisado por Juliana Holzhausen e moderado por Rayane Urani em 16 de agosto de 2020.