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Francisco Paulo Nascimento Cambraia

1966 - 2021

Os acordes do violão conquistaram a futura esposa, renovaram sua fé cristã e encheram de ritmo as noites de lua cheia.

O porte atlético dos seus quase dois metros de altura, a fala eloquente e o tom alto da voz reforçavam a habilidade de Paulo para as vendas, área em que atuou por décadas no Brasil, em especial na capital paraense: foi vendedor de roupas, quando migrou numa segunda vez para Belém; como agente de turismo, convenceu milhares de pessoas a comprarem os pacotes de viagem pelo Brasil afora com sua técnica de venda chamada "senso de urgência"; realizou os desejos de muitos ao vender motos numa agência automobilística; galgou novas oportunidades; teve um restaurante em Fortaleza, no Ceará, e não parou por aí: era excelente em tudo que se comprometia a fazer. Paulo era inteligente e perspicaz, tinha visão aguçada de negócios, inclusive para os projetos profissionais que desenvolveu em conjunto com a esposa Gleyciane.

No seu quarto casamento, foi Gleyciane quem lhe deu a oportunidade de formar família, pouco tempo depois de se encontrarem numa festa de aniversário de um amigo em comum. Eram vizinhos e já tinham uma conexão entre si, quando ele se punha a tocar violão na varanda para atrair a atenção de Gleyciane, que morava no andar de baixo. O amor entre os dois foi intenso, duradouro, cheio de cumplicidade. “Éramos almas gêmeas. Ele era meu amigo, meu sócio, meu parceiro para tudo”, conta.

A paternidade também marcava a união do casal. Ele era atencioso e cuidadoso com os filhos Glityson Paulo e Glibyson Kaleb, a quem ajudava nas lições de matemática, levava aos médicos quando necessário e oferecia os churrascos de domingo para o almoço em família. “Estávamos os quatro sempre juntos”, reforça Gleyciane. Assim também era com a música: ele amava tocar violão e, aos poucos, ensinava o filho mais velho a tirar seus primeiros acordes.

Apreciava o "rock" nacional, MPB e a música Gospel. Nos momentos de descontração, dedilhando o instrumento musical, mudava as notas e letras das canções compostas pela esposa. Fazia de propósito e na diversão. “Paulo era calmo e brincalhão, sempre alegre, com sorriso no rosto.”

Convertido para a Igreja Evangélica, foi pastor e com frequência tocava nas celebrações religiosas, tornando-se muito querido pelos fiéis da cidade paraense de Benevides. Aliás, o Pará era seu estado do coração: ali completou os estudos, serviu a Marinha e construiu sua independência financeira.

Da infância em Macapá, no Amapá, guardava uma lembrança nítida, conforme recorda Gleyciane: “Paulo contava que, quando menino, ao ouvir o sino do recreio, ele corria para a escola a pedir o lanche para a mulher da merenda, mesmo sem estudar lá”. Era o caçula dos seis irmãos e, segundo ela, “muito 'caducado' — ou seja, paparicado — pela família”.

De tanta história e amor compartilhado também surgiu música. Gleyciane transformou sua dor em verso e compôs “Amor de cacto”, em homenagem ao seu amado Paulo:
“O nosso amor
Foi como um cacto
Nascia flor
Mas não pôde ser um buquê
Me diz porquê”.

Francisco nasceu em Macapá (AP) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Francisco, Gleyciane Cambraia. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2022.