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Frederich Nunes Assis Gouvêa

1975 - 2020

Um advogado roqueiro, brincalhão e beijoqueiro que vivia com intensidade fazendo da vida uma festa.

Ele fez história até com a escolha do seu nome, conforme conta sua irmã, Bruna: “Meu pai sempre gostou muito do compositor Frédéric Chopin e de um jogador alemão que também se chamava Frederic pelo que ele me disse, não me recordo nesse momento o sobrenome. Ele gostou muito desse nome e resolveu homenagear essas pessoas e acrescentou o H no final, ficando Frederich Nunes Assis Gouvêa. Hoje existe na nossa cidade uma rua com esse nome.

Fred era o irmão mais velho e queria muito um irmão, mas teve seu desejo frustrado quando veio a irmã Bruna que, como é natural com crianças pequenas, o deixou enciumado. Depois a família cresceu ainda mais com a chegada de Danilo, o mais novo e, com o passar do tempo, os três se tornaram muito grudados e viviam entre tapas e beijos como a maioria dos irmãos.

Como mais velho, Fred viveu a rebeldia dos adolescentes. Saía para festas, buscava a namorada escondido e sofreu um acidente de carro que comoveu a cidade toda, como conta Bruna:

“Essa foi a coisa mais marcante da minha infância. Eu era pequena, meus pais foram cuidar dele em Vitória, Espírito Santo, e eu só esperava pela chegada de notícias. Eu ficava no quarto dele todos os dias, ouvia a música "Ursinho Pimpão" e pedia a Deus para trazer meu irmão de volta. E ele voltou! Foi uma festa, todos os dias chegavam visitas para ele e isso me deixava extremamente feliz, ele estava lá!”

Ela relembra também outro fato da infância, dessa vez envolvendo o irmão caçula:

“A memória afetiva de Dan com ele foi quando, em 2014, ele ficou muito doente e foi levado às pressas para Salvador, onde teve que ficar internado. Fred teve que voltar por conta do trabalho e, nesse dia, antes de levá-lo para a internação, ele chorou muito, pois, não queria nos deixar sozinhos em Salvador (Dan, minha mãe e eu), nosso pai voltou com ele. No segundo dia de internação, ao voltar a falar, Dan mandou mensagens de voz para ele pedindo pra buscá-lo, pois já estava bem. Ele chorou e riu ao telefone, mas foi muito marcante isso para o Dan. Isso que faz falta, não o que não vivemos, mas sim tudo que sempre fazíamos juntos!”

Ele sempre foi muito vaidoso e gostava de andar bem arrumado, e com a profissão que escolheu, isso aflorou ainda mais! Seu avô foi um dos primeiros moradores da cidade de Posto da Mata, interior da Bahia e a família foi pioneira no local. Fred foi o primeiro neto, mimado por todos e, por ser muito bonito, as moças ficavam "alvoroçadas" quando o viam. Ao se formar como advogado, num trocadilho próprio dos jovens, começou a ser chamado de AdvoGato, por ser considerado o advogado mais bonito, mais galã e mais cheiroso...

Fred se casou muito cedo e, quando tinha 19 anos, sua primogênita nasceu e ele parecia que estava nas nuvens. “Eu mesmo muito nova, via o olhar apaixonado pela filha, Ana Luísa, nome que a esposa escolheu, pois haviam combinado que se fosse menina, ela escolheria e se fosse menino ele escolheria. Já na segunda filha, ele escolheu Sophia, por causa do livro/filme " Código Da Vinci". Seria Sophie como a protagonista, mas optou por Sophia, mesmo.”

Era um pai super amoroso, cuidadoso, brincalhão, que tinha códigos das brincadeiras "internas" com as filhas. A mais nova sempre o acompanhou em todos os lugares e até aprendeu a comer coisas pouco comuns para crianças como as “comidas de boteco”. Quando se separou, em 2018, as meninas escolheram ficar com ele. A mais velha seguiu os passos do pai, formou-se em Direito e, assim como ele, passou de primeira no exame da OAB, uma proeza que, com certeza, o torna orgulhoso onde estiver!

Ele era super engraçado, e havia uma maneira de falar que era só da família. Adorava fazer paródias de músicas que ele não gostava, criava apelidos pouco comuns e sem tradução para as pessoas conhecidas. Seu tio e padrinho Charles, ele chamava de "Bufilia"; o primo mais brincalhão era "Caranga"; a única tia por parte de pai era "Cobrinha" e assim ele seguia criando memórias afetivas com todos.”

Bruna conta o quanto Fred era popular em sua pequena cidade: “... na cidade somos muito conhecidos, ele ainda mais, por ter sido o primeiro. Não existe uma pessoa que fale mal dele, sempre tem algo engraçado pra contar ou algo que ele fez por ela”.

“Essa semana minha sobrinha atendeu uma moça que se mudou há pouco pra cidade - antes da pandemia - e ela contou que só agora procurou outro advogado para ajudá-la, porque o que ela havia falado antes da pandemia havia falecido; que era muito bonzinho e disse que não precisava se preocupar com nada, se ela pudesse pagar, pagaria...se não, daria um jeito mesmo assim pra ela. E disse que era "Dr Fred". Minha sobrinha se emocionou e disse que era seu pai, a moça também ficou emocionada e pensou, quem sabe ele me mandou subir aqui nesse escritório e falar com você?”

Os hábitos de Fred são lembrados com carinho: “Então, só temos boas lembranças dele: a mania de beijar a todos, inclusive os homens - pai, tios, primos, amigos - que tinham preconceitos com beijos, ele não ligava, beijava de surpresa; Mania de chegar na casa dos nossos pais e sentar no mesmo lugar, na bancada e chamar a mãe pra tomar cerveja e o pai para comer barriga de porco frita; mania de usar tudo primeiro que os outros: quem comprasse um carro ou uma bicicleta nova, ele tinha que ser o primeiro a usar, sempre! Uma coisa que sempre falava, era uma frase que nosso avô Sebastião Gouvêa ensinou a ele quando era pequeno: "Amigo, te trouxe um figo ...quando te vi, comi".

Nas horas vagas gostava de jogar bola, fazer churrasco em casa ou na fazenda. Para ele, não havia hora ruim e nem tempo chuvoso que lhe impedisse de queimar uma carninha, como ele dizia. Era o churrasqueiro oficial, mas só fazia bem feito se a cervejinha estivesse do lado, independente da marca, desde que estivesse gelada.

Fazia caminhada na fazenda toda tarde e adorava jogar baralho com Dan, Joãozinho – um primo do seu pai - e qualquer outro que chegasse para compor a mesa, se não, jogavam só entre os três.

Amava rock e entrar em seu carro podia ser sinônimo de sair com o ouvido doendo de tão alto que gostava do som. O gosto pelas bandas musicais variou com o tempo. Quando jovem curtia Bon Jovi, mas depois passou a gostar do Slipknot, Limpbiz Bizkit, Angra, entre outros. A música que ele mais gostava era "Nothing Else Matters". Um momento musical que foi mágico para Fred, foi quando assistiu ao show do Metálica no Rock In Rio juntamente com o irmão, Danilo, e o primo Murilo.

Gostava muito de assistir séries com as meninas e era tão fascinado por cinema que ensinou todos a gostarem também. “Todos tinham de ligar pra ele e comentar, só ficava bravo quando ainda não havia assistido e dávamos "spoilers". Uma das coisas que mais me dói é não poder ligar pra ele para falar sobre os filmes ou ele me ligar pra pedir conselhos - sim, sou mais nova, mas sou a que segura a onda de todos na família - e até chorou no meu ombro quando contou que havia se separado. Ríamos muito em casa e ainda não superamos a ausência desse sorriso, que dava pra ouvir da escada, enquanto subia falando besteira ou cantando uma paródia de algo que ouviu na rua”, relata Bruna, cheia de saudade.

Ela finaliza sua homenagem ao irmão, falando do maior ensinamento que dele recebeu:

“Amor! ele amava muito a nossa família, a família que ele formou e isso que ele deixa de mais forte e marcante em mim e nas meninas. Minha sobrinha mais velha teve uma reação alérgica e foi hospitalizada, até então não sabíamos o que era. Não podia ficar ninguém de acompanhante e ele passou a noite dormindo no carro, e logo de manhã deixaram ele entrar. Quando a levamos para a cidade vizinha para fazer exames, fui com ela na ambulância e ele louco atrás. Mas estava desesperado de preocupação. Isso era a maior qualidade dele, se preocupava com todos. Mesmo meio medroso para hospital, estava sempre disposto a ajudar quem precisasse. Elas lembram muito disso. "Painho já ajudou essa senhora na feira, ela me falou agora que fica muito triste quando lembra dele" ou "Painho acordou de madrugada pra levar a vizinha que estava passando mal ao Hospital..." Elas lembram que ele era muito carinhoso com qualquer pessoa, um senhorzinho desconhecido na rua ou uma autoridade importante, sempre ensinou a serem educadas com todos”.

Frederich nasceu em Posto da Mata (BA) e faleceu em Vitória da Conquista (BA), aos 45 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela irmã de Frederich, Bruna Nunes Assis Gouvêa. Este tributo foi apurado por Mariana Nunes, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 15 de dezembro de 2023.