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Genézio Holanda de Negreiros

1944 - 2020

Não podia ver um pen drive, ia logo pedindo para gravar as músicas que escutava no ir e vir da fazenda.

Ele deixou o sertão, mas o sertão não saiu dele... Nascido na pequena cidade de Pereiro, no Ceará, teve uma infância e juventude cheia de desafios na zona rural do município — tempo que marcou profundamente sua personalidade.

Era um homem duro, que amava a vida, a liberdade, o campo e a família. O simples lhe bastava. Em muitas situações não se ocupava de cuidados básicos consigo mesmo, como por exemplo beber água e passar um protetor solar. A filha Geiza descreve o pai como um capricorniano legítimo, determinado e obstinado por aquilo que queria fazer. Para ele não importava se isso representasse sacrifícios à sua vida pessoal e até mesmo ao seu próprio corpo.

Da vida no agreste cearense, no calor nordestino, na casa simples de telhado baixo, no quintal de terra batida, demarcado pela cerca de madeira seca do sertão, uma das lembranças associadas ao Genézio era o ato de abater os carneiros criados pela família. Deles vinham o leite e a carne para alimentação. Foi o que contou o irmão Wellington, que recorda dos tempos em que, ainda criança, ajudava o irmão no abate dos animais, dos quais tiravam o couro e faziam churrasco. O couro era vendido para a produção artesanal de selas, cabrestos e bainhas de faca.

Por sua vez, a filha Geíza Gabriela lembra que, na infância, o pai brincava com ossinhos de galinha — uma prática comum entre as crianças do sertão. Ela acrescenta que Genézio calçou o primeiro sapato somente aos 19 anos e que “tomou achocolatado depois de velho”.

Genézio perdeu a mãe quando ainda era criança, e sonhava sempre com ela. Isso o atormentou durante toda a vida, mas resistiu em fazer uma terapia para trabalhar essa questão. Na falta da mãe, foi criado pelas tias e em função dessa situação, foi estudar no Colégio Diocesano de Limoeiro do Norte: uma escola em regime de internato, gerenciada pelo Padre Pitombeira, que também participou de sua educação.

Aprendeu a ler aos 9 anos e sempre era o mais velho da turma, pois só pôde começar a estudar mais tarde que o normal. Determinado e persistente, formou-se em Agronomia na Escola Superior de Agricultura de Mossoró em 1975. Ainda na década de 70, aproveitando os incentivos governamentais para a ocupação da região amazônica, mudou-se para Rio Branco, no Acre. Por lá constituiu família, comprou terras e trabalhou pesado em sua fazenda.

Casado com Dulce, teve seis filhos: Genésio, Geiza, Geisy, Geison, Geíza e Gleyson. A família, numerosa e sempre muito unida, mantinha a casa sempre cheia, com cafés e boas conversas em volta da mesa. Ele gostava de saber tudo sobre o que se passava na vida dos filhos, como estava a situação de cada um e amava falar de política. Genézio também teve uma filha em outro relacionamento, anterior ao casamento com Dulce, chamada Ana Cristina.

O certo é que Genézio foi um pai muito dedicado. Na opinião dele, o Dia dos Pais era uma data meramente comercial. Como recorda Geisy, ele dizia que todos os dias eram tempo de agradecer aos pais que, como ele, tivessem se esforçado para oferecer o melhor para seus filhos.

Depois, vieram os netos! Chegaram e ganharam o coração do velho... Genézio foi um avô muito mais calmo e sereno do que o pai severo na criação dos filhos. Geiza conta que os três filhos mais novos "já pegaram uma versão mais calma dele".

Na fazenda, o trabalho era cotidiano e intenso para dar conta de cuidar das plantas e dos animais. Ele fazia de tudo. Andava muito a pé para fazer reconhecimento de campo. E nessas jornadas, bebia água em qualquer lugar que encontrasse, mesmo as turvas e de aspecto sujo. Tomava muito sol e com isso "ele era preto e branco", conta sorrindo Geiza. É que a marca da camisa definia muito bem a mudança de cor da pele. O filho Geison trabalhou com ele na propriedade e segue tocando a fazenda. Ele relata que o pai teve grande reconhecimento profissional na área de zootecnia e foi considerado o melhor produtor de vacas leiteiras melhoradas de Rio Branco.

Ele também tinha uma chácara, de onde vinham muitas frutas. Amava abacate e fazia muitos sucos naturais. O de araçá era um de seus preferidos, pois não afetava a glicemia dele, que era diabético. Mas também amava sucos de graviola, cajá, cupuaçu e acerola.

Genézio usava muitas ervas e plantas para cuidar dos animais da fazenda e da saúde da família. Os chás medicinais de unha-de-gato eram famosos. Mas ele tinha chá para tudo. Do seu jeito, preparava, embalava e, inclusive, mandava para os parentes no Ceará.

Rodando pela estrada, no ir e vir da fazenda, Genézio gostava de ouvir música. Não podia ver um pen drive dando sopa que entregava à filha Geisy a missão de baixar músicas para ele ouvir no carro. "Faça isso pro seu pai, eu confio no seu gosto", dizia. Quando, de propósito, a filha colocava um funk no repertório, ele logo dizia que tinha errado na escolha. Isso porque ele prestava muita atenção nas letras, e era dono de um gosto variado, passando por artistas como Roberta Miranda, Reginaldo Rossi, Paula Fernandes, e bandas como a Skank, entre outros.

Certamente, a expressão tantas vezes dita por Genezio — seja feliz — é uma boa maneira de terminar esta homenagem. Era sempre usada quando ele precisava recusar algum convite ou sair de alguma situação embaraçosa. Nesta direção, a família já trabalha na ressignificação do espaço da fazenda. O local, sempre marcado por muito trabalho e com as digitais de Genézio, está sendo reformado, na perspectiva de ser um lugar onde os próximos encontros familiares serão para se alegrarem, se divertirem e aproveitarem momentos felizes.

Genézio nasceu em Pereiro (CE) e faleceu em Rio Branco (AC), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Genézio, Geiza Negreiros. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 24 de agosto de 2021.