1971 - 2021
Sua brincadeira favorita com os filhos era fazer cócegas, até que eles dissessem "água geladinha, gostosinha".
À primeira vista, Gilberto transparecia para muitos ser um homem sério. Dizia, inclusive, que ser sistemático era 'coisa de Natinho', o sobrenome da família da qual orgulhosamente descendia. Entretanto, com pouco tempo de convivência, qualquer pessoa se rendia ao jeito alegre e divertido com que ele levava a vida.
Filho da Dona Pedrina e do Seu Alberto, durante a infância, teve o irmão Paulo como seu fiel companheiro. Nessa época, os dois viveram mil e uma aventuras; memórias que ao longo da vida adulta, sempre traziam recordações alegres e que o faziam dar boas gargalhadas. Em uma delas, Gilberto, que tinha pavor de agulhas, subiu em cima de uma árvore para que seu tio não lhe aplicasse injeção. O irmão mais novo tentou acompanhá-lo, mas acabou caindo da árvore e furando o pé na cerca de arame.
Na juventude, conheceu Cecília, por meio do incentivo de amigos em comum, e logo se apaixonaram. Decididos a formarem uma família, contraíram matrimônio após quatro anos e meio de namoro, permanecendo casados por vinte e dois anos, até a partida dele. A relação deles foi marcada por amor e companheirismo: não houve um milésimo de segundo em que não tenham vivido um para o outro.
Dessa bonita união vieram três filhos: Gustavo, Guilherme e Gabriela, pelos quais Gilberto devota-se inteiramente. "Nossa relação era repleta de alegria, parceria e muito carinho. Meu pai não se mantinha satisfeito em nos ver quietos, estava sempre implicando conosco, contando piadas e nos fazendo cócegas até que falássemos nosso código-chave 'água geladinha, gostosinha'. Ele foi um pai exemplar, que nos mimava, aconselhava e nos ensinava a sermos pessoas gentis, honestas e humildes", conta a filha Gabriela.
A família era, sem dúvidas, o seu bem mais precioso e sua prioridade em todas as decisões que tomava. Encontrava o seu refúgio nos horários de almoço e depois do expediente, durante os quais se reunia com seus quatro grandes amores para contar sobre o seu dia, ouvir como foi o deles e conversar sobre amenidades. Gabriela se recorda que: "O principal sonho do meu pai era a construção da nossa casa para nos proporcionar uma vida melhor, realização que foi muito comemorada por todos nós. Ele tinha também muita vontade de nos levar para diversos lugares a passeio. Então, muitas vezes quando viajava sozinho, deixava de comer alguma guloseima pensando que não era justo conosco, já que não estaríamos juntos para saborear a iguaria. Nossos sonhos passaram a ser os dele: queria nos ver formados, com um bom trabalho e uma vida confortável".
Mesmo diante dos percalços impostos pela vida, mantinha o semblante sereno que se alinhava à sua alma aguerrida. "Nossa família passou por diversas dificuldades, sobretudo referentes à saúde. Entretanto, meu pai suportou trinta e seis quimioterapias com a valentia de um herói. Muitas vezes, depois de uma sessão do tratamento, mesmo com o corpo ainda vulnerável, estampava um sorriso no rosto e dizia que tudo estava bem, que em dois dias se recuperaria totalmente. Dito e feito. Havia sessões em que não esperava nem um dia e já retornava ao trabalho. Nunca deixou de ter esperança em dias melhores. Quando ele ficou totalmente curado, tivemos a melhor notícia de nossas vidas!", conta Gabriela
Por muitos anos, dedicou-se ao cultivo de legumes e hortaliças em sua propriedade rural. Descobriu então o seu dom: cuidava do plantio com tamanho carinho, como se fosse parte de sua família, resultando em alimentos viçosos, saudáveis e muito saborosos. A produção era vendida nas escolas e pelos comércios de sua cidade.
Após anos de labor rural, encontrou seu novo ofício em um mercado, onde conviveu com inúmeras pessoas, entre clientes e funcionários do estabelecimento, impactadas pelo carisma e pela presteza com que tratava a todos. Como ele mesmo gostava de dizer, era "pau para toda obra", ajudando no caixa, realizando entregas e repondo mercadorias.
Depois de um bom tempo sendo a personificação da alegria na mercearia em que trabalhava, a vontade de passar mais tempo com a família foi maior, o que o fez retornar ao trabalho no campo, onde semeava, plantava e colhia junto à natureza. A paixão pelo sítio era tão grande, que todos os domingos após o almoço Gilberto levava a esposa e os filhos para passar a tarde em meio à brisa fresca, o barulho das árvores e o cantar dos pássaros. Para ele, não existia nada melhor do que passar um tempo no campo, fosse trabalhando ou por pura diversão.
Bom de garfo, não dispensava um belo prato de comida, elogiando absolutamente tudo o que a esposa preparasse. No entanto, o 'macarrão de casamento', apelido dado por ele ao combo de iguarias saborosas feitas em datas especiais, lhe ganhava o paladar.
Habitualmente, acordava todos os dias às 5 horas da manhã para sua caminhada matinal. Nos dias que ainda não tinha amanhecido, levava uma lanterna a tiracolo. Quando voltava, tomava seu banho e ia para o trabalho. Nas horas livres, nunca ficava parado. Estava sempre mexendo em algo e ouvindo músicas em seu rádio. Muitas vezes, enviava pedidos musicais para a Rádio Prata FM e dedicava a canção para si. Uma de suas preferidas, era "Vida Cigana", composta por Geraldo Espíndola:
"Ó, meu amor não fique triste,
saudade existe pra quem sabe ter.
Minha vida cigana me afastou de você,
por algum tempo eu vou ter que viver.
Por aqui, longe de você,
longe dos seus carinhos,
e do seu olhar que me acompanha já tem muito tempo,
Penso em você a cada momento."
Dizia sempre que "o que a gente planta, colhe", ditado muito oportuno para alguém que, como ele, transformou suas habilidades com a terra em sabedoria de vida. "Tudo que ele semeou em vida, sendo exatamente quem ele era, trouxe reflexos positivos para muitas pessoas. Todas as vezes em que sentimos muito a sua ausência, aparece alguém que diz o quanto sente sua falta e que nos conta uma passagem vivida com ele, palavras que sempre nos acalentam por lembrar o quão especial ele foi para o mundo. É como se tivesse semeado muitos bons gestos em vida, para que quando partisse, cada pessoa que conviveu com ele ficasse com um presente para si", comenta Gabriela.
Gilberto não semeou, plantou e colheu somente as verduras e legumes mais viçosos de sua região. Semeou sorrisos, alegrias e serenidade no dia a dia de seu próximo, cativando inúmeros corações. Seus valores e suas memórias geraram os mais belos frutos, bem como, a doçura de seus gestos, que firmaram raízes fortes, indestrutíveis. O amor deixado ramificou-se, frutificou e se fez eterno.
Gilberto nasceu em Jacuí (MG) e faleceu em São Sebastião do Paraíso (MG), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Gilberto, Gabriela Queiroz Ribeiro. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Andressa Vieira, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 6 de março de 2022.