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Gizelda Maria Rodrigues da Silva

1959 - 2020

Na hora de ajudar o filho com o dever de casa, ela era só amor e paciência; pura presença materna, afeto inesquecível.

Ela era uma das mais novas entre dez irmãos. Nascida em Fortaleza num bairro próximo à praia, sempre que podia ia com eles tomar banho de mar ou nas lagoas que ficavam perto de sua casa. A ligação positiva com seus irmãos permaneceu por toda a vida de uma forma indescritível.

Filha de pais religiosos, ela contava que, por ser a mulher mais nova da casa, foi superprotegida por eles e pelos irmãos. Dizia que na juventude era muito centrada e sua mãe muito rígida com algumas coisas. Por isso, às vezes, era preciso driblá-la quando as irmãs mais velhas iam para as festas e ela ia junto, às escondidas. A volta para casa era frequentemente sucedida de broncas nas irmãs, enquanto ela, por ser a mais nova, era poupada.

Seu casamento com Gildemar, irmão de um vizinho de seus pais, foi precedido de um curto namoro e noivado que, somados, duraram apenas cinco meses. E foram casados por quarenta e três anos, ela assumindo a função de dona de casa e ele saindo para trabalhar fora. No início eram bem pobrezinhos, moravam no fundo do quintal de um irmão dele, e logo tiveram a primeira filha.

Extremamente apaixonado, ele fazia tudo o que ela desejava. Resistente à igreja, mesmo assim ia com ela nas reuniões do grupo de casais. Os dois não eram de ficar se beijando ou se abraçando na frente dos filhos, mas ela era muito cuidadosa com ele: arrumava as suas roupas com carinho, para que ele não saísse "de qualquer jeito"; orientava os filhos a evitar fazer o que ele não gostava e, dessa forma, os filhos não se recordam de ter presenciado brigas entre eles, nem mesmo pequenas chateações. Como diz o filho Francisco: “Lembro apenas deles dois juntos, me levando à beira-mar para tomar sorvete...”

O casal conseguiu manter a família sempre unida: aonde ia um, todos estavam lá também e faziam tudo juntos, fosse um pequeno passeio, uma viagem, uma ida à igreja, ao shopping ou a outros programas, como sair para comer ou visitar um parente. Não havia dificuldade que os separasse. Gizelda era muito apegada à família, principalmente ao caçula Francisco, que lembra: "Quando eu me encontrava só com ela, era como se toda a minha família estivesse ali, porque continuava sentindo a presença do pai e dos irmãos, como se ela tivesse a capacidade de representar todos eles".

Francisco se recorda da mãe de forma muito amorosa: “Minha mãe era a pessoa mais doce e engraçada que eu conheci. Sua gargalhada era inconfundível. Era de riso tão fácil, que as pessoas falavam coisas engraçadas só para ver ela gargalhando. Era uma supermãe que, muito religiosa, criou os quatro filhos de forma excepcional”.

Gizelda era uma mulher de fibra e guerreira que se dedicou muito à família. A maneira mais concreta de demonstrar amor aos filhos era rezando por eles. Depois disso, vinham os muitos abraços e beijos e as frequentes afirmações de que os amava.

Suas características mais marcantes eram o sorriso, o jeito de caminhar, a solidariedade, a calma e a sua fé inabalável. De hábitos e atitudes simples, o que a fazia mais feliz era estar com a família e ver que todos estavam bem. “Nas bodas de esmeralda, quando eles fizeram quarenta anos de casados, eu fiz uma surpresa pra eles... Extremamente simples, mas ela achou a coisa mais espetacular do mundo. Tinha um bolinho de casamento tão simples... Ela achou o bolo tão sensacional... Foi incrível ver aquilo”, conta Francisco.

Os almoços de domingo eram muito aguardados por Gizelda e ela não abria mão deles porque era o único momento em que podiam estar todos juntos. Nesses encontros ela fazia questão de que todos almoçassem na mesma hora e sentados à mesa. E seguindo o almoço, não podia faltar o seu cafezinho. O que não faltava também era a sua mania de comer sempre na mesma posição, ou seja, com uma perna em cima da outra!

Ela gostava de ficar em casa deitada na rede assistindo televisão, mas amava quando saía pra qualquer lugar com os filhos e o marido. Seu programa preferido era o do Silvio Santos, e as “Pegadinhas do Domingo” eram sagradas. Nesse dia ficava acordada até tarde esperando, e só ia dormir depois que o programa acabasse. Era também doida por novelas e a última que assistiu foi a Polyana. Adorava a música "Alô meu Deus", cantada por Padre Léo.

Gizelda era uma mulher superforte que, com muita fé, via esperança na mais remota das possibilidades. Muitas vezes, era ela quem consolava a família nos momentos difíceis. Ensinava com palavras e com exemplos que, quando se possui fé, nenhum problema é grande o suficiente para nos abalar, e demonstrou isso quando sofreu de uma enfermidade grave: durante os dois anos em que esteve em tratamento em nenhum momento pensou em desistir.

Francisco, dentre outras memórias, relembra o quanto sua mãe era cuidadosa com os seus: "A memória mais forte que tenho dela é de quando eu era criança e ela ficava me ensinando o dever de casa. Eu lembro nitidamente desses momentos e das gargalhadas dela, é um som ainda muito presente na minha memória. Eu lembro da minha mãe na minha infância inteira. Pois era ela quem me deixava na escola, era ela quem buscava e ensinava a lição de casa. Eu lembro de acordar todos os dias e ela me dar vitamina de banana e pão. Lembro dela me levando para o shopping quase toda semana para brincar no parque. Lembro que íamos à beira-mar todo fim de semana só pra comer sanduíche e por causa dos brinquedos. Meu pai tinha moto, então sempre fomos de moto para os lugares, e eu lembro de ir sempre no colo dela”.

Ele comenta que se sente vivendo inspirado por ela: “Acho que tudo o que sou hoje é por inspiração da minha mãe. Pois tudo que vou fazer penso no que ela me falaria caso estivesse aqui. A força que ela tinha com certeza me faz muito mais forte. Ela me ensinou a ser corajoso a vida toda. Eu tinha tudo para perder as estruturas quando ela partiu e essa era a maior preocupação do meu pai e dos meus irmãos. Mas eu pensava que não podia fazer isso com ela. Não podia desistir de tudo. Tinha que continuar por ela. Então, a força dela é com certeza minha maior inspiração”.

E conclui sua homenagem relembrando o último ensinamento da mãe: “'Meu filho, mesmo que eu não esteja mais aqui pra lembrar a você de rezar e de agradecer a Deus lembre, por você mesmo, que todas as vezes em que eu dobrei os joelhos foi para que Deus estivesse com você. E hoje eu só peço que Ele te guarde. Enquanto eu puder, vou pedir por você. Quando eu não estiver, você vai lembrar disso e vai saber o quanto eu te amei'. Até o fim ela cuidou de mim e, mesmo sem precisar, provou que me amou”.

Dona Gizelda partiu deixando para trás muito amor e uma história linda de fé, superação e conquista!

Gizelda nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Gizelda, Francisco Gilvan Rodrigues da Silva. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Muhl, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 14 de fevereiro de 2022.