1937 - 2020
Alegre, carismático, generoso, apaixonado pela família e pela vida. De espírito jovem, nunca deixou de sonhar.
Ilson de Figueiredo chegou a Brasília quando a capital ainda estava em construção, em 1959. Recém-casado, partiu sozinho de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, deixando sua amada Lenira, em segurança, na pequena cidade pantaneira. Sempre cuidadoso, não queria que a esposa enfrentasse dificuldades bem no início do casamento. Logo que chegou ao Planalto Central, instalou-se no Núcleo Bandeirante, antiga Cidade Livre. Imbuído do espírito pioneiro, com esperança e vontade de empreender, usou todo seu dinheiro, uma razoável quantia que ganhara na loteria esportiva, para erguer um hotel simples de madeira e hospedar os chamados candangos, homens e mulheres que chegavam para edificar o sonho de Juscelino Kubitschek.
Com as condições mínimas estabelecidas, trouxe sua amada Lenira para pertinho dele. Vieram junto alguns irmãos e parentes para também viverem na nova capital. Ilson queria sempre ajudar a todos, principalmente sua família e de sua esposa. Queria que todos vivessem o sonho eldorado de vencer na nova capital do Brasil. Infelizmente o negócio próprio durou pouco por conta de um incêndio acidental. O investimento virou cinzas. Tinha que recomeçar da estaca zero, mas agora com muita gente dependendo dele. Esposa, irmãos, cunhados, sogra e filhos chegando. Sobre os ombros, a responsabilidade de cuidar de muita gente. Sem esmorecer, insistiu na busca por dias melhores. Trabalhou duro onde houvesse oportunidades honestas para poder sustentar a família. Na época, não faltava serviço em Brasília e Ilson fez de tudo um pouco. Foi comerciante, autônomo, vendedor e, nas poucas horas vagas, fazia bicos.
Homem com forte espírito altruísta, era capaz de tirar o casaco para dar a alguém com frio. Lutava incansavelmente noite e dia para que não faltasse o pão de cada dia à mesa. Aprendeu com o próprio pai que podia faltar tudo, menos comida na despensa. E não se importava em dividir o pouco pão com quem mais necessitasse. Também se preocupava em ter um teto, onde todos pudessem repousar de forma digna, mesmo que não sobrasse muito espaço para abrigar tanta gente. Não esquecia também da educação. Queria todos na escola e com uma profissão. “Tem que pensar no futuro. A educação, o aprendizado, a formação, ninguém pode tirar de vocês”, lembrava sempre aos filhos. Deixou a lição.
Toda a batalha de Ilson foi recompensada quando, após alguns anos, conseguiu um trabalho qualificado no setor público, que era a principal vocação de Brasília. Ingressou no Senado Federal, onde trabalhou por mais de 30 anos, até se aposentar. Foi um servidor exemplar e dedicado aos seus afazeres. Sempre disposto e com um sorriso no rosto, era solícito aos que precisavam de auxílio. Assim, com seu carisma e simpatia fez inúmeros amigos. Tinha orgulho de dizer que era servidor do Senado Federal. Contava também que muitas vezes escapava do setor onde trabalhava para ir até o plenário da casa só para ouvir os célebres discursos de antigos senadores. E ele afirmava: “Discursos como aqueles, verdadeiras aulas de política, não se ouvem mais hoje em dia”.
Ilson e Lenira, sua amada companheira, tiveram sete filhos, considerado o número da perfeição. Foram dois homens e cinco mulheres. Depois, 16 netos e sete bisnetos – o oitavo está a caminho. Teve a felicidade de conhecer e brincar com as novas gerações da família Figueiredo.
Evangélicos, Ilson e Lenira sempre tiveram fé nos desígnios de Deus. Junto com a esposa, ele era assíduo nos cultos da Congregação Cristã no Brasil do Cruzeiro Velho, bairro no qual viveram a maior parte de suas vidas.
Aos 83 anos, Ilson tinha uma alma jovem, leve, aventureira. Sem se importar com o peso da idade, não se cansava de fazer planos para o futuro, de sonhar e, principalmente, de demonstrar o amor pela esposa depois de mais de 60 anos de casado. Ele se achava bonitão e ela sentia certo ciúme dele. É bem verdade que, de vez em quando, ele usava seu charme apenas para provocá-la e despertar o ímpeto da paixão. Dizia aos médicos que queria sair para reencontrá-la e continuar cuidando dela com todo o carinho e amor. Adorava fazer planos de viagens com ela. Afirmava o tempo todo aos filhos: “Vou deixar tudo para trás e viajar pelo mundo com a mãe de vocês”.
Unindo as forças de seu coração pantaneiro, a esperança de pioneiro da capital, a fé inquebrantável em Deus e a paixão pela sua querida Lenira, Ilson batalhou bravamente contra a Covid-19 por 15 dias. Não desistiu até o último momento. Despediu-se, no entanto, na manhã fria e ensolarada do dia 5 de agosto, aos 83 anos. “Combateu o bom combate, terminou a corrida e guardou a fé”, como narrado nas cartas do apóstolo Paulo na Bíblia, que Ilson gostava de ler. A saudade de sua presença inspiradora, sonhadora e cheia de paixão por sua amada e amor pelos filhos vai atravessar gerações. Nesse momento, eles foram afastados fisicamente, mas a paixão e o amor entre eles, nem mesmo a Covid vai conseguir separar.
Ilson nasceu em Corumbá (MS) e faleceu em Brasília (DF), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Ilson, Samuel Francisco de Figueiredo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Samuel Francisco de Figueiredo, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 13 de agosto de 2020.