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Iracema Maria Santos dos Anjos

1942 - 2020

Alfabetizando jovens e adultos, ela pôde transformar a própria vida e o futuro daqueles a quem ensinava.

Iracema nasceu em uma cidadezinha do agreste da Paraíba e teve uma infância conturbada: foi doada pelos pais para um casal cujas condições econômicas não eram suficientes e, depois, quando estava com aproximadamente 10 anos, foi doada novamente, desta vez para a dona do cartório da cidade de Itapororoca, no mesmo Estado.

Adulta, apaixonou-se por Manoel — uma história de amor que deu certo. Casaram-se e tiveram Martha, a primeira filha. Depois, com diferença de poucos anos entre eles, vieram Marcos, Jairo, Indalércio, Josué e, por fim, a caçula Mônica — todos criados com muita dificuldade.

Iracema trabalhava lavando roupa num rio até o momento em que sentiu o desejo de colocar uma escola em casa. Foi assim que passou a lecionar como alfabetizadora para tirar o sustento da família. Suas filhas se recordam dos momentos das aulas, dos alunos adultos aprendendo suas primeiras palavras: sopa, papa e pão.

Considerada uma das primeiras professoras do município, exerceu com maestria a arte de ensinar os seus alunos, dando origem ao lema: "Se não conseguir ler, com Iracema consegue".

Impossível contabilizar quantos alunos ela alfabetizou, porque trabalhava sempre em dois horários no vínculo com a prefeitura e, à noite, lecionava na sua escola alfabetizando jovens e adultos. Estima-se que teve bem mais de quinhentos alunos, que ela amava reencontrar, já adultos e independentes, relatando que aprenderam a ler com ela. Esses encontros sempre lhe davam muita alegria.

Foi como educadora que Iracema conseguiu sustentar os filhos. O marido trabalhava na agricultura, coletando cocos — uma atividade perigosa que, em alguns momentos, resultava em acidentes de queda de um coqueiro.

Nos treinamentos de que participava Iracema sempre relatava que possuía carro, brincava que era rica, que tinha muitos empregados em casa e que o marido era muito amigo do governador. Ficava fantasiando com os colegas de profissão, tornando tudo muito engraçado, porque todos conheciam a sua luta para sobreviver e criar os filhos; mas fazer de conta que fazia parte de outra classe social tornava sua vida mais leve.

Iracema adorava ler a Bíblia, tinha uma fé inabalável e amava ir à Igreja, onde, com sua voz ao mesmo tempo doce e forte, cantava os hinos de um cantor cristão e a música "Homem de Branco".

Seu hábito de apoiar o queixo e parte da bochecha na mão aberta, mostrando sua tranquilidade, é uma imagem inesquecível para a família; bem como sua voz, que marcou as relações familiares expressando muito amor para com todos os filhos. As dificuldades pelas quais passou durante toda a vida não deixaram que lhe faltasse amor para doar. Sempre deu um prato de comida ou abrigou viajantes em sua casa, ajudando a quem precisava.

Tinha por costume ligar para os filhos e ficar horas ao telefone para matar a saudade e querendo ajudar a cuidar de todos os netos. Toda tarde, podia lhe faltar a cochilada, mas não a leitura da Palavra.

Um exemplo de mulher cristã e de Mãe, que sempre viveu em harmonia nas suas relações sociais. Uma pessoa apaziguadora que transmitia muita tranquilidade, paz e muita humildade!

Iracema nasceu em Pirpirituba (PB) e faleceu em João Pessoa (PB), aos 78 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Iracema, Anderson Felipe dos Anjos Duarte. Este tributo foi apurado por Mariana Nunes, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 27 de abril de 2022.