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Ireni Barbosa Santos

1946 - 2021

Tinha mania de anotar em qualquer papel as receitas de bolo que via na TV.

Com a simplicidade de um bolo batido em casa, Ireni comemorava seus aniversários junto ao casal de filhos, Analice e Rafael. Ainda é possível imaginá-la preparando a massa branca e cantarolando, “do jeito dela”, as músicas internacionais que tocavam no rádio da cozinha.

Ireni não resistia às baladas românticas de Elton John. Ele estava sempre lá, junto com a banda Dire Straits, fazendo-lhe companhia. Analice, sua filha mais velha, conta que Ireni tinha o dom da culinária. Nascida em Minas Gerais, era exímia na preparação dos pratos mineiros.

Desde muito cedo teve que aprender a cuidar de si mesma, pois perdeu a mãe ainda bebê, e desde os 2 anos de idade morava com outros parentes. Também precocemente, recebeu como dever retribuir a acolhida dos familiares assumindo as tarefas da cozinha. Na época, ainda se usava um fogão a lenha, que Ireni usava um banquinho para alcançar.

De Minas, a menina mudou-se para o Espírito Santo, onde morou com a tia. Na década de 70, as duas foram para Brasília, onde finalmente Ireni conheceu o significado da palavra liberdade. Foi uma das melhores épocas da sua vida. Habilidosa com as costuras, a jovem mineira conseguiu emprego numa butique de roupas para grávidas e, não demorou muito, teve o valor do seu trabalho reconhecido.

O mesmo valor Ireni também sabia dar às coisas. A filha conta que a mãe era uma mulher simples e sem vaidades, mas não se importava em comprar coisas caras porque prezava pela qualidade. Uma dessas recordações é um anel de prata com uma pedra preta que sempre estava em seu dedo.

Quando se viu independente, Ireni foi morar numa pensão, compartilhando a casa com estudantes universitários da região. Nessa época, conheceu o pai dos seus filhos e vivenciou a maternidade. Em homenagem à tia, quis batizar a primeira filha de Alice. Mas não abriu mão de colocar seu toque traduzido em três letrinhas (Ana), e a menina foi registrada como Analice.

Já com o segundo filho a história foi diferente. Quem o batizou foi o próprio obstetra. “Na hora do parto, o médico disse: Lá vem um Rafaelzinho! Aí ela gostou”, explica Analice.

Viúva, o que a deixava feliz era fazer comida para quem amava. “Cozinhava apenas para amigos e parentes”, conta a filha dedicada, que a levava às lojas de aviamentos, pois Ireni gostava de escolher e comprar os tecidos para costurar suas próprias roupas.

No dia a dia, Ireni assistia a novelas mexicanas e comentava a trama com a família "como se a gente acompanhasse a novela também", recorda a filha. Nos últimos anos, viveu uma enorme alegria com a chegada do netinho.

Como recordação eterna, a família está reunindo os pedacinhos de papel espalhados com as receitas anotadas por Ireni. "Vou guardar para sempre", diz Analice.

Ireni nasceu em Jordânia (MG) e faleceu em Brasília (DF), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Ireni, Analice Barbosa Santos de Oliveira. Este tributo foi apurado por Juliana Padilha, editado por Juliana Padilha, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 27 de janeiro de 2022.