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Janaina Amorim Soares

1973 - 2021

Sempre acompanhada da família, pegava a estrada aos finais de semana para curtir a chácara que tanto amava.

Janaína viveu com o companheiro Claudenor por 22 anos, desde quando sua filha Nayanne tinha 4 anos, com quem se casou formalmente em 2015, após ela ter tido seu bebê, aos 26 anos.

Era a melhor esposa que o marido poderia ter tido. Cozinhava as melhores comidas e fazia tudo o que ele gostava. Quando ele estava doente, não se descuidava dele nem por um segundo, sempre de forma amorosa e carinhosa, demonstrando um amor verdadeiro por aquele que esteve com ela em todos os momentos.

Ela teve três filhas, Dayanne – a mais velha, Nayanne, a do meio e Dhara, a mais nova, todas de um primeiro relacionamento. Também teve o neto David que criou como filho desde o nascimento. “Posso dizer que tivemos a melhor mãe do mundo. Nunca deixou um aniversário passar em branco. Tudo o que ela podia fazer, ela fez. Cuidou não só de nós, mas de todos os netos que conheceu, ela amou e cuidou de toda a família. Dizemos que ela era o elo que nos unia”, conta a filha mais velha, que continua: “proporcionou-nos educação, e nos ensinou a fazer o bem. Ela nos corrigia quando era necessário, mas não permitia que ninguém fizesse isso por ela, então sempre nos defendia. Lembro-me que quando tive o primeiro relacionamento, saí bem magoada e recebia várias ameaças da atual do meu ex e minha mãe não permitiu isso, imprimiu todas as ameaças e ofensas que faziam comigo nas redes sociais e foi atrás do responsável, foi na casa conversar com os pais deles e exigiu que parassem, ou ela iria abrir um Boletim de Ocorrência, pois tínhamos muitas provas”.

“Minha mãe era uma Super Mãe, como uma super heroína, protetora, amável, brincalhona, amiga, era simplesmente a melhor mãe. Tenho muitas lembranças dela, fui feliz demais por tê-la como mãe e melhor amiga. Ela cuidava com amor, protegia e educava. Ela exerceu o papel de mãe, fazendo muito além do que precisava, então, era minha super heroína”.

A filha relata o zelo da mãe: “Ela conhecia cada uma de nós, os nossos gostos, os nossos defeitos, as nossas qualidades, ela sabia exatamente o que fazer quando estávamos doentes. Quando ela fazia uma comida, sabia exatamente quem ia gostar e quem não ia. Conhecia o pedaço do frango que cada um gostava, e não deixava ninguém pegar. Quando fiz dieta, todas as vezes que ela ia ao supermercado, trazia coisas para mim, sem eu precisar pedir, refrigerante zero, pão integral, coisas que parecem tão simples, mas que me mostraram o quão cuidadosa e observadora ela foi”.

Janaína amava as festas e comemorava todas as datas numa chácara que a família possuía, distante da cidade. Gostava de cozinhar, e era muito boa nisso e, então, aniversários, festas juninas, Carnaval, Natal, tudo era motivo de celebração e muita comida, sempre preparada por ela, com a ajuda das filhas. “Minha mãe tinha o dom, de fazer a alegria das pessoas e de cozinhar; cozinhava como ninguém, e a maior parte dos meus finais de semana, eu estava com ela cozinhando. Aprendi algumas coisas observando-a, e nunca mais eu preparei nada, porque cozinhar se tornou difícil pra mim, por conta das inúmeras lembranças”.

Ela trabalhava a semana inteira, mas todo final de semana estava na chácara, seu local preferido, e Nayanne adorava ir pra lá, principalmente para acordar com aquele cheiro de café quentinho e o cuscuz que a mãe sempre fazia, ou a tapioquinha que gostava de comer com margarina e nunca com queijo.

Muito criativa, além de cozinhar super bem, era muito boa com decorações. Todas as festas temáticas e os aniversários dos netos era ela quem decorava, tudo tinha o toque dela. “E olhando nas fotos, vejo que incrível que ficava tudo, era tudo tão perfeito, minha mãe era tão perfeita”, diz a filha com admiração e respeito ao continuar: “minha mãe era forte, guerreira, minha referência. A mulher mais forte que conheci. Tinha um coração enorme e um cuidado admirável com o outro. Ela sempre pensava em agradar a todos, deixando suas necessidades e desejos por último. Os outros sempre estavam em primeiro lugar, o marido, os filhos, os netos, o trabalho, os amigos, tudo vinha antes dela.”

Os sofrimentos vividos por Janaína também são lembrados: “Minha mãe sofreu muito no relacionamento passado e no abandono pela minha avó, mas isso não fez dela uma pessoa ressentida. Muito ao contrário, ela era extraordinária e meu coração se alegra por sempre ouvir maravilhas a seu respeito. Ela deixou um legado naquela cidadezinha onde moramos por duas décadas; todos a conheciam, e todos a elogiavam”.

Era professora e trabalhou por mais de 20 anos na mesma escola. Lecionava Português e Inglês. Inteligentíssima, passou em dois concursos estaduais e somava 60h semanais dentro de um colégio, ou seja, manhã, tarde e noite. Essa grande jornada de trabalho fazia com que as filhas a vissem durante a semana somente no intervalo do almoço e do jantar quando na maioria das vezes, ela estava em casa. As meninas reconhecem que todo o trabalho duro foi para que elas pudessem viver bem, e são gratas pela dedicação de Janaina.

Foi uma excelente profissional e, mesmo trabalhando como professora, foi convidada a assumir a coordenação financeira da escola, um papel que cumpriu com maestria, pois era muito boa com contas e tinha muita paciência.

Após longos anos cuidando das finanças da escola, foi convidada a ser diretora e aceitou, mesmo que isso representasse permanecer no trabalho mais tempo do que em sua própria casa. Estava lá todos os dias e todas as horas, e até quando estava em casa, era como se estivesse na escola, pois o celular não parava de tocar nunca. Essa rotina só mudou um pouco durante a pandemia, quando passou a realizar suas atividades de forma remota, mas mesmo assim não se ausentou completamente, pois volta e meia passava as tardes trancada na escola, dentro da sua sala, resolvendo o que precisava ser resolvido.

Era tão dedicada que durante a pandemia se deslocava pessoalmente até as casas de alunos que moravam fora da cidade em vilas e assentamentos de difícil acesso, para fazer a entrega das atividades semanais e para recolher as tarefas anteriores. As fotos desse dia registram Janaina de bota e chapéu para se proteger do sol, dentro de um ônibus onde ficou o dia inteiro indo de uma vila para outra. Humildade, profissionalismo, empatia, ética e amor, são as palavras que definem a Janaina Professora e Diretora.

Importante ressaltar que não deixou de lecionar, já que se dividia como dava. Na escola quase todos a amavam, principalmente o pessoal dos serviços gerais, porque tratava a todos muito bem. Sempre fazia pizzas junto com eles, para serem servidas nas reuniões com a equipe, que eram fartas em comida, porque Janaina adorava cozinhar e fazia isso perfeitamente.

A filha fala de como se sentiu com a partida da mãe: “Desde que minha mãe partiu, nunca mais voltei naquela escola, pois tudo ali me lembra ela e seu sorriso contagiante. Para mim é difícil até passar em frente aquele portão azul."

Em suas poucas horas vagas, preferia assistir filmes do que seriados, porque estes a viciavam e ela não tinha tempo para assisti-los. Nayanne comenta: “Era uma das coisas que mais fazíamos juntas, ela e eu, porque eu também gostava muito, acho que puxei isso dela. Tudo que vivi com minha mãe foi bem intenso, tenho inúmeras recordações e muitas histórias. Eu sempre fui muito próxima dela e fazíamos várias coisas juntas, quando ela estava com horas livres. Numa viagem que eu fiz para um congresso da faculdade, tive uma crise de ansiedade, um problema com alguns colegas. Eu estava muito chorosa e nervosa, desesperada e minha mãe me acalmou. Não precisou de muito, só de algumas palavras dela que não estava presente ali, mas conseguiu fazer com que eu me sentisse acolhida, e aquilo me fez bem”.

“Ela sabia o que falar, sabia o que fazer e como me acalmar. Em toda a minha vida, quando ia para o colégio, eu dava um beijo nela, todas as manhãs e, quando criança, eu dormia com ela também. Minha mãe tinha medo quando dormia sozinha, então sempre que meu padrasto estava de plantão noturno, eu dormia com minha mãe, víamos filmes e ela quase sempre me buscava na faculdade”.

Embora fossem muito ligadas, Janaína se preocupava com a independência das filhas, conforme conta Nayanne: “Minha mãe estava sempre tentando nos ensinar a nos virar sem ela. E pra isso, ela teve a ideia de abrir uma pizzaria no interior, tínhamos a casa onde íamos todos os finais de semana para descansar, então ela teve a ideia de fazer lanche pra vender. Preparava todos eles com nossa ajuda. Sempre dizia que não precisava disso, mas queria nos ensinar a viver sem ela, para quando ela não estivesse mais aqui, pois ela não seria eterna.”

“Então assim ela fazia, não descansava. De segunda a sexta estava na escola e, nos finais de semana, estava na cozinha fazendo pizza e salgados para que tivéssemos dinheiro. Não pegava nada do lucro que era dividido entre minhas irmãs, meu sobrinho e eu”.

Janaína era apaixonada por músicas sertanejas e suas viagens para a roça eram animadas. Ela sempre procurava as canções mais atuais para tocar no som do carro e, todas as sextas-feiras no final do dia, percorriam cantando os 57 Km que as separavam da casa do interior. “Existem muitas músicas que me lembram dela, difícil até colocar o nome de uma, já que ela gostava de vários gêneros musicais”, relembra a filha.

Ela era amada não somente pelas filhas, mas também pelas amigas delas, como lembra Nayanne: “Minha mãe era uma pessoa muito alegre, guerreira e forte. Tinha um coração enorme, sempre disposta a ajudar a todos. Seu sorriso era contagiante, uma mulher incrível. Quando ela se foi, duas amigas ficaram a semana inteira na minha casa, foi a minha maior força. No último dia de faculdade e até hoje elas lembraram a minha mãe com carinho, chamando-a de tia Janaína. No casamento da Ruama, que aconteceu em julho de 2021, minha mãe seria a madrinha. Nunca esquecerei o olhar de minha amiga dizendo que não teve tempo nem de agradecer por tudo que minha mãe fez por ela, e muito menos de convidá-la para ser sua madrinha. Meu coração se enche de orgulho por saber que minha mãe foi e continua sendo amada e lembrada por todas as pessoas que ela sempre fez questão de ajudar e amar, mesmo sem conhecer”.

Janaina nasceu em Tocantinópolis (TO) e faleceu em Imperatriz (MA), aos 48 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Janaina, Nayanne Amorim Milhomem. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 16 de novembro de 2023.