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João Alves de Almeida

1940 - 2020

Era o mestre cuca dos almoços de domingo e estava sempre de malas prontas para qualquer viagem.

É um sertão de saudades no peito daqueles que aqui ficaram sem a luminosa presença desse cearense encantado pela vida. João nasceu no interior do Ceará, na cidade de Araçoiaba; lá cresceu, encontrou o amor de sua vida, dona Geralda, e teve três filhos: José, Sueli e Marcelo. Mudou-se com sua família para uma cidade maior, Itacima, no distrito de Guaiúba, também no Ceará, em busca de melhores condições de vida para os seus. Por fim, mudou-se para Fortaleza, a capital do estado, onde os dias são sempre ensolarados; “Terra da Luz”, primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão.

Em Fortaleza, Geralda e João tiveram mais quatro filhos: Raquel, Sérgio, Rafaela e Camila. Trabalhou na fábrica Santa Cecília até seus 60 anos, quando se aposentou. Foi então que se dedicou ao prazer de cozinhar para sua família. Era ele o “mestre-cuca” dos almoços de domingo, quando fazia questão da presença de todos os filhos e suas famílias. Nessas ocasiões sua felicidade era notória, João transbordava amor para seus descendentes e sua parceira de jornada, Dona Geralda.

Encantava todos com suas frases pitorescas como. "Isso aqui tá meio mundo e uma banda da lua!", ou "Comi que só fiii de rico!". Quando Alexandre aparecia em sua casa sem o seu neto Samuel, por exemplo, ele já ia logo perguntando: “Lixandi, cadê o bacurim?”

Outra paixão era viajar, especialmente para sua terra natal, onde podia rever amigos e parentes; ter longas horas de prosa e relembrar tantas histórias ali vividas. Durante a viagem, já ia aquecendo a memória, relembrando os apuros e apertos vividos na vida difícil do interior do sertão. Mas, era gratidão seu maior sentimento por tudo; tinha profundo apreço por tudo que viveu, pois foi trilhando esses caminhos que construiu sua família; e não existia nesse mundo nada mais importante para ele do que sua esposa e seus filhos amados.

O genro Alexandre era parceiro de viagens de Senhor João. Certa vez, foram para Juazeiro do Norte. Olhando pela janela do carro, João ia narrando suas aventuras de quando passava pela estrada do Quixadá e era surpreendido pela aparição das onças que surgiam por detrás das pedras na beira do caminho.

João também adorava uma sanfona e um cavaquinho, “Uma vez, eu o levei pra realizar um sonho: conhecer o museu do Gonzagão, em Exu, no Pernambuco. Foram momentos inesquecíveis de felicidade e alegria. Primeiro fomos a Crato, no Ceará para a casa do filho dele, Marcelo, e de lá fomos para Exu!”

E não eram só as viagens e almoços de domingo que faziam a alegria de João, não. Ele gostava mesmo é de estar na rua. Aceitava todos os convites para passear; para onde fosse chamado, logo se aprontava para ir, tanto faz se fosse para o shopping, as cidades próximas onde os filhos moram, restaurantes ou quaisquer outros lugares. Amava estar vivo e aproveitar a vida junto dos seus!

Há mais de vinte anos o Senhor João sofria com fibrose, que se agravou pela necessidade de usar o respirador durante muito tempo. Essa enfermidade deixou-o vulnerável ao coronavírus. “A covid carregou nosso velinho em um sábado, no dia do aniversário da minha esposa, sua filha. Imagine a saudade e a falta que faz”, conta com a voz embargada o genro, Alexandre.

Até hoje, os sábados são dias tristes para Sueli, são dias em que ela deságua o peito num choro de imensa saudade. “Era sempre aos sábados que levávamos ele pra um café no centro das tapioqueiras aqui em Fortaleza, no bairro Messejana e ele adorava ver aquele local cheio de vida!”, conta Alexandre.

Aliás, a história do pedido de casamento de Alexandre foi uma das muitas passagens divertidas ofertadas pelo jeito leve e amoroso de Senhor João: “Quando fui falar com ele para pedir a mão dela, Suely se adiantou e disse "Papai eu vim avisar o senhor que vou me casar", ele nos surpreendeu com a frase: "No meu tempo quem pedia era o homem, mas hoje são as filhas que avisam". No casamento de Alexandre e Sueli, em 2005, João era o mais emocionado, sua alegria era tão genuína e contagiante que os noivos caíram no choro, várias vezes durante a cerimônia, tocados pela emoção do pai da noiva.

João, esse ser de coração enorme, gostos simples, apaixonado pela família e que amava viajar, bem pode estar lá no céu ao lado de seu ídolo, Gonzagão, cantando “Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz. Guardando as recordações, das terras onde passei, andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei. Chuva e sol, poeira e carvão, longe de casa, sigo o roteiro, mais uma estação. E a alegria no coração!”

João nasceu em Araçoiaba (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 80 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo genro de João, Alexandre Ferreira de Sousa. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 4 de agosto de 2020.