Sobre o Inumeráveis

João Correia Guedes

1939 - 2021

As bananas e mangas de seu quintal, que dizia serem as mais saborosas do mundo, guardam um gosto de saudade.

Maria vivia em uma cidade do interior do estado do Espírito Santo onde João foi trabalhar. Ele morava em uma pensão que ficava a três casas de distância da que ela morava e trabalhava e, da janela de sua cozinha, conseguia vê-lo no restaurante da pensão. Os dois logo cruzaram olhares e ela disse: "Esse rapaz será meu marido!"

Em cidade do interior, a única distração era passear na pracinha onde ficavam o cinema e a sorveteria e foi nela que eles se conheceram e ficaram amigos por aproximadamente um ano, até que, como é costume de alguns religiosos levarem flores ao cemitério para familiares falecidos no Dia de Finados, foi lá que se encontraram, conversaram e decidiram ali mesmo na porta começar a namorar a partir daquele dia.

Namoraram por um ano, ficaram noivos por três e o casamento durou 56 anos. No total, contando com o período de amizade, namoro, noivado e casamento, foram 61 anos de convivência, de muitas lutas vencidas com a ajuda de Deus, companheirismo, fé, cumplicidade, diálogo e amor.

Eles tiveram cinco filhos: Rosangela, Rosimery, Marcio, Adriana e Junior e os netos Thiago, Vinicius, Mikaelly, Thiely, Manuely, Gabriela, Gustavo e Melissa. Ele foi um excelente marido! Amigo, companheiro, cuidadoso, amoroso, provedor e protetor.

“São inúmeras as qualidades. Amava a mamãe, e sempre dizia: "Te amo tanto, Maria"! E sempre quando pensava em partir desta para outra vida, ele dizia para a nossa irmã Rosimery: "Toma conta da minha Maria"! Parece que ele sabia que partiria antes de mamãe, por isso, tinha essa preocupação em deixá-la bem cuidada, e por tal motivo mamãe está morando com nossa irmã Rosimery, mas todos os demais filhos também têm cuidado dela”, conta a filha Rosângela.

Recordando-se de sua infância, Rosângela conta: “Lembro sempre quando éramos crianças que ele nos levava no parque nos domingos de manhã para brincar. Eram momentos muito prazerosos. Lembro também de quando ele era novo, deitava no chão da cozinha enquanto mamãe lavava as vasilhas depois do almoço e pedia para que os filhos dele andassem sobre sua barriga. Ele sentia dor de estômago e na cabeça dele acho que as dores aliviavam quando seus filhos “massageavam” a barriga com os pés.

Ele só teve oportunidade de estudar até a quarta série e tinha que trabalhar muito, pois, seu trabalho exigia muita força física – dava marteladas na lataria dos carros o dia todo – queria que todos tivessem um serviço mais leve que o dele e, por isso, foi um grande incentivador para que filhos e filhas, netos e netas estudassem e carregava o sonho de ver todos eles formados. Quando os filhos eram pequenos, era ele que os levava e trazia da escola e sempre gostava de dizer para aqueles que iniciavam um projeto, um curso, e pensavam em desistir: "Mete os peitos e não para no meio da pinguela, não!"

Ele era um guerreiro, trabalhador, justo, um amor de pessoa. Amante de sua profissão de lanterneiro, nela trabalhou por mais de 50 anos e amava quando devolvia recuperada uma cabine de caminhão que lhe fora entregue toda amassada. Quando mais novo trabalhava de dia e até altas horas da noite e tirou férias apenas uma vez na vida, quando levou os filhos para visitarem os avós maternos, no Rio de Janeiro.

Tinha um compromisso invejável com seu trabalho e no início da carreira começava a trabalhar às 7h da manhã, parava pra almoçar às 11h; recomeçava às 12h ia até às 17h, jantava e entrava noite a dentro em seu labor. À medida que foi ficando mais velho, seguia praticamente a mesma rotina, mas parava de trabalhar às 17h. Depois de aposentado continuou trabalhando por muitos anos e só parou por recomendação médica.

Nas horas vagas gostava de ir à igreja, à praia e passear em parques. Também gostava de ver televisão, especialmente jogo de futebol e de contar histórias de como as coisas eram difíceis de serem conquistadas no passado. Gostava de ler a Bíblia, de sentir o cheiro das mangas de seu quintal e torcia para o Vasco.

Diz Rosângela: “Sua comida preferida era churrasco. Dizia que as frutas de seu quintal eram as mais saborosas do mundo e, na verdade são mesmo, pois até hoje as colhemos e todas tem gostinho de saudade. No quintal tem pé de cajá, banana, graviola, carambola, acerola, goiaba, manga, figo. Ele cuidava pessoalmente das plantas, vez ou outra alguém capinava o quintal.”

E ela continua se lembrando com carinho: “Sua presença sempre foi muito marcante em minha vida. Sou a filha mais velha. Fui a última a sair de casa para casar, uns irmãos saíram, alguns para casar, outros para trabalhar... Eu era professora e enquanto ainda era solteira, morava com meus pais. Lembro sempre que ele me acordava de manhã pegando no meu dedão do pé e dizendo: “Tá na hora de trabalhar, a diretora da escola já está com a sineta na mão para dar a entrada dos alunos e você não pode chegar atrasada”.

E, para concluir, a filha conta que o pai gostava muito do hino “Firme nas promessas de Jesus” cantado por um cantor cristão e que ele sempre ensinava que era para ter muita fé que tudo ia dar certo: “Ele está vivo, não em carne e osso, mas no exemplo que deixou para cada um de nós. Sinto seu cheiro, fecho os olhos e vejo seu semblante, ouço seus conselhos sussurrando aos meus ouvidos. Sei que papai está sempre ao meu lado. Te amo.”

João nasceu em Itueta (MG) e faleceu em Colatina (ES), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de João, Rosangela Guedes Coutinho. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 10 de novembro de 2022.