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João da Silva Barros

1946 - 2020

Era generoso, sem fazer alarde; amava o Carnaval do Recife e colecionava relógios de marcas famosas.

João conheceu a esposa, Conceição, em 5 de junho de 1968 durante a festa de aniversário em que celebrava seus 22 anos. Casaram-se em 25 de julho de 1970, na Paróquia de Nossa Senhora de Belém, no bairro da Encruzilhada, na cidade de Recife, Pernambuco e viveram juntos durante quarenta e nove anos.

Embora ele sempre tenha sido uma pessoa do bem, desde que venceu o alcoolismo, aos 46 anos, com perseverança e muita luta, tornou-se um marido cada dia melhor, caseiro, atencioso e extremamente companheiro de sua esposa, sempre disposto a acompanhá-la nas visitas a parentes e amigos.

Para Cibelle, a única filha do casal, João sempre foi um bom pai. Muito querido e carinhoso, não sabia dizer não para a filha. Casada com Marcílio, ela lhe deu o neto Matheus, que possuía uma conexão muito especial com o avô, que, por sua vez, sempre lhe dedicou muita atenção.

A cunhada Maria José conta que João era uma pessoa calma, muito silenciosa e ao mesmo tempo bastante divertida, e que sempre dava respostas engraçadas. "Nos últimos vinte e oito anos João, minha irmã, meu marido e eu éramos inseparáveis: viajamos muito, íamos a festas, teatros, shows. Brincávamos todos os anos o Carnaval no Recife antigo e acompanhávamos o Galo da Madrugada. João estava sempre pronto para participar, arriscava alguns passos de frevo e era uma companhia muito agradável, sempre discreto e disponível”.

Saudosa, a cunhada acrescenta que João era presença assídua nas reuniões de família. Nessas ocasiões, que ocorriam tanto em sua casa como na de familiares, gostava de fazer brincadeiras e sempre tinha uma piada na ponta da língua.

João trabalhava como vendedor de livros e sempre fez isso muito bem até se aposentar. Após a aposentadoria, por ser excelente condutor de automóveis e muito concentrado, trabalhou como motorista particular para algumas pessoas. Nesta função, prestou serviços para uma família em especial que era muito querida por ele. Acabou por tornar-se um amigo, que os auxiliava nos favores e cuidados para com os idosos da casa.

Desde a infância João gostava de pássaros e influenciou até o neto nesta paixão. Tinha várias calopsitas, conversava com as aves e lhes dava nomes. Suas horas vagas eram dedicadas aos inúmeros pássaros que criava.

Tinha apreço por cantores como Frank Sinatra e Elvis Presley, e por música nordestina, especialmente o forró. Tinha o hábito de se informar sobre a vida dos artistas que apreciava e das pessoas famosas em geral. “Frequentemente, íamos a shows. Era uma de suas principais fontes de diversão”, conta a cunhada.

João gostava muito de caranguejo, de carne de sol, de acarajé e até de feijoada enlatada. “Adorava acarajé. Certo dia, Antonio, meu marido, disse para a vendedora da iguaria que ele queria o acarajé bem quente. Então, a moça colocou tanta pimenta que João não conseguiu comer", relata a cunhada. "E toda vez que eu ia à sua casa ele preparava um café e fritava ovos para mim, fazia isso com muito gosto”.

Vaidoso, era muito exigente com perfumes e colecionava relógios de marca. O seu time do coração era o Sport Club do Recife. Torcedor fervoroso, ia sempre aos jogos. “Volta e meia, ele dizia que ficaria rico. Brincando ou não, creio que esse era o sonho dele”, diz ela relembrando mais uma história marcante que viveu com João:

“Na juventude, quando ainda era solteira, quis ir a uma festa, mas não tinha companhia. Então, o João, que na época era noivo de minha irmã, se prontificou a me levar e ficou a noite toda só me esperando, sem se divertir, já que a Conceição estava trabalhando. Naquele momento, fiquei muito grata por ele ter se disposto a me acompanhar para que eu não perdesse a festa".

A propósito do que aprendeu com João, Maria José destaca a determinação com que ele lidava com todos os seus objetivos. "Eu o admirava profundamente por ter procurado, de livre e espontânea vontade, o Alcoólicos Anônimos para ajudá-lo a deixar o alcoolismo. Logo depois, tomou a decisão de deixar o cigarro. A partir destas decisões, a vida dele e a da nossa família foi transformada e ressignificada”.

Ela finaliza contando que João, por caridade, não perdia velórios de parentes, vizinhos e amigos, bem como, de políticos e artistas como Luiz Gonzaga, mas que, por ironia do destino, seu sepultamento contou com apenas seis pessoas, conforme determinavam as normas da época da pandemia.

João nasceu em Recife (PE) e faleceu em Olinda (PE), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela cunhada de João, Maria José do Nascimento Neto. Este tributo foi apurado por Lucas Cardoso e Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 3 de julho de 2023.