1983 - 2021
"Pode dizer, mãe, que eu sou o filho mais bonito e preferido!", brincava João para arreliar sua amada irmã, Maila.
Se João Luiz era o mais bonito e o preferido, a mãe Maria Auxiliadora nunca conseguiu responder. Talvez, porque um riso avassalador sempre lhe invadisse nessas horas, como num contágio, ou, ainda, visto que Maila, a filha mais velha, poderia não deixar nada barato ao se deparar com uma resposta definitiva que não fosse a que ela queria escutar.
Entretanto deixemos de coisa e cuidemos da vida, que amor de mãe não se mede com fita métrica. Aliás, nas memórias mais profundas da primogênita, é a inexatidão da sorte que fala mais alto àquela família.
Quando crianças, os dois irmãos viviam numa eterna disputa pelo controle da televisão. Quem é que escolheria o canal desta vez? Maila, prontamente, retornava à sala com papel em branco, tesoura, caneta e a solução. Sorteio: o nome que saísse no papelzinho escolhido teria o monopólio sobre a programação daquele dia.
Maila tinha uma sorte danada. Era inacreditável. Literalmente, pois ela constantemente vencia a brincadeira mais séria de toda a sua jornada infantil. Até que um dia o irmão resolveu supervisionar a sorte daquela menina de negócios: flagrou, então, o nome dela escrito nos dois papéis. Eis a origem de todas as suas derrotas. E riu. "Quer tirar o papelzinho da sorte, João?", brincava ela mesmo depois de adulta, habitualmente quando os irmãos tinham que tomar decisões importantes. E riam muito.
Ele cresceu assim, rindo da sorte. Nascido em Lorena, interior de São Paulo, foi ainda pequeno viver no Rio de Janeiro. E tornou-se um fluminense de coração que, aos 37 anos, tinha uma relação muito forte com seu dois cachorros e dois gatos.
"Nossa vida foi continuamente de muito sacrifício", conta ela. Relata que ele geralmente buscou driblar as dificuldades e alcançar novos objetivos. "Nosso pai não tinha muitas condições e então João passou numa Faculdade Pública, a Universidade Federal Fluminense (UFF), para cursar Engenharia Elétrica", explica. "Era muito competente no trabalho e na vida, o irmão que continuamente aconselhava. A paz da família."
Papeizinhos da sorte, adjetivos e singularidades até poderiam fazer parte da vida deste homem, contudo a sua paixão mesmo eram os números. Dizia que a vida tinha de ser mais exata. Há quem diga que esse pensamento seja fruto de uma vida de cálculos quilométricos na Engenharia, entretanto também se acredita que o senso de justiça era uma característica nata, legítima sua.
Desculpe, João Luiz, mas eu não vou conseguir sustentar os números por tanto tempo para falar de você. Como vou explicar que alguém conseguiu ser único mesmo tendo o nome exatamente igual ao de seu pai? "Fica com Deus, Mané", ele disse quando você partiu, acentuando, em um apelido carinhoso, a sua importância incomparável.
Os dois anos que Ricardo, o seu filho, esteve neste mundo ao seu lado não dão conta de dimensionar o legado que você lhe deixou. E como colocar, ainda, seu imenso amor por Fernanda, esposa, numa balança? A leveza de um sentimento profundo é uma grandeza que você conheceu bem. É assim que nesse texto, nos corações e na tatuagem que estampa sua foto no braço de Maila você será lembrado: como o amante dos números que jamais caberá neles. Imenso, dentro do nosso coração você viverá eternamente – tal qual um certo nome cravado em papelzinho da sorte.
João nasceu em Lorena (SP) e faleceu em Niterói (RJ), aos 37 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela irmã de João, Maila Bueno Mont'Mor Teixeira. Este tributo foi apurado por Irion Martins, editado por Irion Martins, revisado por Magaly Alves da Silva martins e moderado por Ana Macarini em 21 de fevereiro de 2022.