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Jorge Severino da Silva

1957 - 2021

Começou a reformar a casa do filho antes de mexer na dele. Queria que o rapaz tivesse sempre o melhor.

Jorge fazia qualquer coisa que quisesse quando o assunto era construção civil: elétrica, marcenaria, serralheria, e todo tipo de acabamento mobiliário. Assim era o Jorge, o homem das mil e uma habilidades e o pai do João Paulo.

Não que ele tivesse formação para todas essas atividades; era eletricista, de fato, e trabalhou muitos anos com painéis luminosos, na cidade de São Paulo, até o fechamento da empresa, quando foi promulgada a lei da Cidade limpa. O ramo de atividade foi bastante prejudicado, mas Jorginho não tinha medo de arriscar, era talentoso, hábil e se destacava no desenvolvimento de várias tarefas. Era um faz tudo.

Apesar das habilidades que tinha, a vida não foi fácil. Era dedicado ao trabalho e buscava fazer o melhor pela família que ele amava e, a sua trajetória, de muita luta, inspirou o filho João Paulo a estudar, cada vez mais, para que um dia ele pudesse oferecer aos pais uma velhice um pouco mais confortável.

Em 2015, o filho se tornou professor universitário e foi morar no interior de São Paulo. Nos quatro anos que se seguiram, Jorge e a esposa o visitavam, mensalmente, e nessas ocasiões, João Paulo levava o pai para visitar as cidades vizinhas e era visível a alegria do Jorge. "Uma felicidade nunca antes vista", conta o filho.

No ano de 2020, Jorge conseguiu vender sua casa no ABC e o casal se mudou para perto do filho. Comprou um imóvel que tinha duas residências separadas em um mesmo terreno e, contrariando o filho, iniciou primeiro a reforma da
casa onde o João Paulo moraria, para somente depois reformar a dele com a esposa. Coisa de pai.

Nesse período, a relação entre pai e filho se estreitou como nunca: o João Paulo trabalhando em casa, por conta do lockdown e o pai focado na reforma. Ele fazia tudo com tanto capricho e ficava muito orgulhoso quando o filho trazia algum material de melhor qualidade para a construção.

Estavam o tempo todo juntos e o Jorginho, que sempre foi muito calado, começou a contar histórias que o filho nunca tinha ouvido. Era uma relação nova, de total cumplicidade. A felicidade do pai era incrível.

Foram nove meses juntos. Planejaram viagens que seriam feitas depois da pandemia; ele queria construir uma piscina no quintal, estava feliz por estar junto do filho, em uma casa grande, que estava ficando cada dia mais bonita e sem precisar se preocupar com coisas que se preocupou a vida toda; "estava tudo perfeito" - lembra João.

De repente os pais adoeceram, ficaram gripados. Jorge não quis ir a um hospital, com medo de se infectar com o vírus. Mas em uma manhã, passando mal, enquanto se preparava para ir ao médico, se deitou na cama, e partiu.

“E assim, perdi o meu pai, com os sonhos de uma vida que sonhei para ele" - lamenta João.

"Fica, agora, a esperança de que a pandemia acabe e que mais ninguém sofra o que quinhentas e quarenta mil famílias estão sofrendo"- finaliza João Paulo.

Jorge nasceu em Santa Cruz do Capibaribe(PE) e faleceu em Ibaté (SP), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Jorge, João Paulo da Silva. Este tributo foi apurado por Larissa Reis, editado por Rosa Osana, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2021.