1968 - 2020
Para além da rotina arriscada de policial militar, era pai alegre, amoroso, que fazia o bem sem olhar a quem.
“Oi, meu nome é Arthur, tenho 13 anos, sou o filho caçula e vim falar sobre meu pai.” Por meio dessas palavras trazidas pela iniciativa de um adolescente que queria honrar seu pai, abrem-se aqui as memórias de José Ednaldo, um paizão dedicado que deixou quatro filhos:
Evandro, de seu primeiro casamento com Fátima; e André, Eduarda e Arthur, do segundo casamento com Adriana, com quem viveu por quinze anos, de 1998 a 2013, quando se separaram. Depois permaneceu casado com Gerlândia por cinco anos, até que a morte os separou.
Apesar dos casamentos desfeitos, se manteve muito próximo de todos que compunham a família. Ligava diariamente para saber como estavam os filhos e para lhes desejar uma boa noite. Passavam juntos alegres finais de semana.
Sargento da Polícia Militar desde os 24 anos e recém aposentado, amava as artes marciais e era faixa preta de karatê. Homem honesto, de bom caráter. Churrasqueiro de mão cheia, excelente na cozinha. Flamenguista apaixonado, legou aos filhos o amor pelo time carioca. Tomar uma cervejinha enquanto assistia as vitórias do Mengão era seu maior divertimento.
Tinha o temperamento forte, mas era carinhoso demais. Cheio de amor. Acolhedor, alegre e cuidadoso com as pessoas, ajudava todo mundo que precisasse. Nunca deixava passar em branco nenhuma data comemorativa.
A aposentadoria de José Ednaldo coincidiu com o início da pandemia, permitindo que ele dedicasse mais tempo dos seus últimos meses junto aos filhos. A última vez em que se encontraram presencialmente foi na festa surpresa que preparou para Eduarda, quando a filha completou 18 anos. Depois disso, pelo acirramento da necessidade de distanciamento social, mantiveram apenas as conversas telefônicas diárias.
Como policial, teve uma vida onde não faltaram aventuras e riscos. Sofreu cinco acidentes de moto, um de carro, trocou tiro com bandidos e levou um tiro acidental na perna quando foi limpar a própria arma. Esteve perto da morte muitas vezes e em todas teve sorte.
Mas a vida traz o inesperado. Um dia antes de ser internado, ainda sem saber que estava contaminado pelo coronavírus, talvez pressentindo, fez uma chamada de vídeo individual para cada um dos filhos, dizendo que os amava e pedindo que se cuidassem. Disse para Arthur: “Eu te amo meu ‘goducho’”. Depois não se falaram mais.
Motivados pela iniciativa de Arthur, os quatro irmãos deixam aqui palavras amorosas dedicadas ao pai, como forma de validar o amor que sentem e amenizar a lacuna pela impossibilidade de terem feito um ritual de despedida.
Palavras de Evandro: “Meu pai era um exemplo pra mim como homem. Uma pessoa simples, de bom caráter. Eu me espelho muito nele. Não sou muito bom com palavras mas tudo que eu vi nele, o karatê, as feijoadas que ele fazia, a recepção que fazia a todos, tudo vai ficar gravado pra sempre. Enquanto eu viver me lembrarei de você, pai”.
Palavras de André: “Eu sempre vou lembrar do meu pai como uma figura responsável. Ele era rígido sim, ele exigia suas coisas, mas hoje eu entendo que era para o meu bem e eu devo muito a ele pelo que eu sou, ele me ensinou a viver. Eu amava e sempre vou amar muito ele. Sempre vou lembrar dele como uma figura essencial. Houve momentos de festa, alegria, ele sempre gostava de reunir muita gente em algum lugar pra fazer algum churrasco, um almoço, ele sempre teve um coração muito grande e sempre admirei muito isso nele. De grande coração, sempre ajudou sem pedir nada em troca. Sempre procurou o melhor pra todo mundo, não importava quem fosse”.
Palavras de Eduarda: “Lembro que quando essa tragédia aconteceu foi um choque para todo mundo, ninguém conseguia acreditar que algo tão ruim e tão inesperado pudesse ter acontecido com uma pessoa tão boa. Meu pai foi um homem forte, iluminado, com um coração invejavelmente grande, protetor, entre outras qualidades. Ele era o tipo de pessoa que ajudava sem conhecer e sem se importar se aquela ajuda ia ter volta, era literalmente ‘fazer o bem sem olhar a quem’. Me orgulho de ter feito parte da história dele, me orgulho do homem que ele foi. Minha capacidade de amá-lo desconhece qualquer barreira desse mundo físico. Ele viverá para sempre nos nossos corações e memórias. A saudade é inevitável mas sei que em algum momento da linha do tempo eu o encontrarei novamente”.
Palavras de Arhtur: “Ele era muito alegre, sempre me mandava mensagem todas as noites dando a ‘bença’, a boa noite e ele era muito comemorativo, tudo que tinha ele celebrava: aniversário, formatura, casamento, tudo. Ele é uma pessoa muito boa que brilha muito lá no céu e no meu coração. Eu amo muito ele muito muito mesmo e espero que ele volte pra mim seu ‘goduchinho’. Então é isso.“
José nasceu em São José do Egito (PE) e faleceu em Petrolina (PE), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelos filhos de José, Arthur Rodrigues Miron Costa e seus irmãos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 13 de março de 2021.