1971 - 2020
Chapéu e botinas novos não podiam faltar para ele fazer bonito nas fotos das cavalgadas.
No calor de Tocantins, o “nosso careca de óculos atrás da mesa” inspirava respeito – tanto que chamavam-no de “professor Garcia”. Sua fachada séria, porém, “era só casca”, conta a amiga e colega Damathyellen.
“Não fazia distinção de pessoas por cor, classe ou credo, talvez por isso faça tanta falta.” Sua empatia era tal que “conhecia todos os funcionários por nome e sobrenome, os alunos e ex-alunos, os filhos e netos deles”.
Trabalhando há vinte e cinco anos na mesma empresa, José era doce no trato e estava “sempre disposto a ajudar quem precisava, mesmo os que não conhecia, sem esperar o menor reconhecimento”, continua Damathyellen.
Entre seus prazeres estava preparar um bom churrasco e servir todos os convidados. E fazer cavalgadas que traziam à memória a sensação da “infância na roça, de cujas histórias ele se orgulhava de contar”, relembra a amiga.
Sua esposa, Marlucia, diz que "ele era o homem, o esposo, o pai que qualquer mulher gostaria de ter". "Todos os dias", prossegue ela, José "levantava cedinho, preparava meu café e levava até a minha cama". Este era o seu segundo casamento e o casal não teve filhos. "Mas daí veio uma netinha que ele dizia ser a filha que Deus deu pra gente", conclui Marlucia.
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Amor pela família e por cavalos que aprendeu com o pai, seu Juvenal. Força e determinação espelhadas nos ensinamentos da mãe, Dona Blandina. A família cresceu quando José foi casado com Joseane; com ela gerou dois novos amores Nayelly e Nadson, os filhos queridos. É por meio de suas relações familiares que a história de vida desse homem foi tecida.
Na infância, a fazenda do pai em Babaçulândia foi o território de brincar, lugar de conviver e aprender a gostar dos cavalos. Um deles, e o mais lembrado, foi o “Panamá”, que pertencia ao seu Juvenal. O rio Tocantins também fazia parte da diversão, com banhos nas praias pluviais e cachoeiras da região. Logo aprendeu a montar e apreciar os passeios a galope. Nesse ambiente José Garcia passou a admirar e a amar o pai, sentimento que durou por toda a vida.
Foi no município de Araguaína, a 60 quilômetros da cidade natal, que passou boa parte da vida; o local onde José Garcia estudou, trabalhou, casou-se, teve e criou os dois filhos. A vida em Araguaína trouxe muitos desafios, por ser uma cidade bem maior do que a sua cidade de origem.
As cavalgadas, evento tradicional da cidade, eram uma das paixões dele. Todo ano, a preparação para a festa incluía uma dose de felicidade na compra de chapéu e botina novos. Na véspera, era hora de cuidar do animal para que o pelo e a crina estivessem bem bonitos. No dia e hora marcados, José Garcia seguia para o Colégio Adventista onde se encontrava com os companheiros de comitiva e de lá partiam em cavalgada. Na infância, Nayelly ficava toda orgulhosa de montar com o pai. Era um dia de enorme felicidade para os dois, que não perdiam a oportunidade de tirar fotos e registrar esse momento tão especial.
Um outro cenário marcante na vida de José Garcia foi o Colégio Adventista de Araguaína. Ele foi aluno da instituição e depois tornou-se tesoureiro da escola, função que exerceu por vinte e cinco anos. A tesouraria sempre era visitada pelos funcionários e também pelos alunos. Todos eram recebidos com sorriso e afeto. Procurava atender às demandas de todos e saber sobre o que os estudantes estavam aprendendo. Essas visitas, que davam uma leveza à rotina de trabalho, fizeram dele uma figura muito conhecida por todos na comunidade escolar. Era admirado por seu jeito carismático, alegre e extrovertido.
No mesmo colégio estudaram os filhos. Nayelly lembra, “com se fosse hoje”, do dia de sua formatura no pré-escolar. Com figurino impecável, ela e o pai estiveram juntos durante a cerimônia e, como não poderia ser diferente, a emoção tomou conta de seus corações. Já com o caçula Nadson, as lembranças mais marcantes eram os dias de jogar futebol na quadra da escola.
Nos finais de semana era tempo de passear em cachoeiras e, sempre que possível, sair para comer em algum restaurante. Tinham também as “Noites de Pizza, organizadas com os irmãos da Igreja Adventista”. Mas nada disso podia ser na hora do jogo do Flamengo. A não ser que acontecesse em algum local que tivesse televisão. Mesmo sendo do estado de Tocantins, José Garcia era apaixonado pelo time carioca e um de seus sonhos era assistir a um jogo do rubro-negro, no Maracanã.
Nayelly encerra o tributo narrando um fato curioso que revela todo amor que sente pelo pai. Ela não se lembrou de escrever o nome de José Garcia no momento que registrou a história dele para que fosse contada aqui no Memorial Inumeráveis. No lugar do nome digitou "Meu Pai” e em seguida escreveu assim:
“Meu pai, meu querido pai! Faltam palavras pra descrever o homem esplêndido que era você. Que falta você me faz. Da minha infância, lembro o quanto você era presente em minha vida. Fazia todos os meus gostos, amava me colocar em cima do cavalo nas cavalgadas que você tanto amava. Sempre foi apaixonado por futebol, sem falar no seu time né: ‘Flamengo’. Assistiu a todos os jogos, não perdia um. Eu e meu irmão estamos sentindo muito a sua falta. Pai, vamos sempre te amar."
José nasceu em Babaçulândia (TO) e faleceu em Araguaína (TO), aos 48 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela amiga, pela esposa e pela filha de José, Damathyellen Ramos, Nunes e Marlucia Borges e Nayelly Lucena Carneiro. Este tributo foi apurado por Samara Lopes, editado por Joaci Pereira Furtado e Ernesto Marques, revisado por Lígia Franzin e Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 12 de maio de 2021.