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José Ismari Bueno

1957 - 2020

Para Zeca a resposta era sempre "sim", e se não houvesse um pedido de ajuda, ele mesmo tomava a iniciativa.

Era Zeca para os mais íntimos e Bueno entre os conhecidos e amigos. Homem forte e saudável, ganhou a vida como motorista de caminhão de gás, sempre para a mesma empresa, até se aposentar. Quando o trabalho lhe deu trégua, tornou-se o rei dos favores para os outros: fosse a compra de supermercado para as noras e para sua mana Elza, um pagamento na fila de banco para o filho, a entrega do carro na oficina para algum amigo, os móveis de mudança em seu caminhão para um vizinho.

A benevolência e a paciência na maturidade mostraram ao filho Luciano que “todo mundo merece uma segunda chance”, como ele mesmo diz. O pai autoritário e muito enérgico da infância deu lugar ao homem atencioso e carinhoso que Luciano relembra desde a adolescência. “Ele se tornou irreconhecível, para o lado positivo, é lógico. Ficou para mim como um exemplo de que todo mundo pode mudar quando quer". Ligava para os irmãos, os filhos Luciano, Luciana, Anderson, noras e netos todos os dias. Conquistou inclusive a admiração de um amigo do filho Anderson, que passou a chamá-lo de “pai”, na ausência do seu próprio.

De jeito calado e discreto, Zeca também foi símbolo de honestidade, reforça Luciano. “Quando o pai dele morreu, tinha deixado despesas em aberto nos armazéns da cidade. Meu pai fez um empréstimo para quitar tudo, não queria o nome do meu avô ‘sujo’”. Luciano embarga a voz ao ressaltar que, ainda durante sua internação, Zeca fez questão de lhe pedir que pagasse dois boletos guardados no porta-luvas do seu caminhão.

Mantinha o hábito de ajudar nas rotinas da casa e fazia todas as vontades da esposa Sandra. Nas horas de folga, pegava sua gaita e soava as canções de outrora. Integrante do grupo “Tauras do Rincão” quando solteiro, foi numa apresentação num salão de baile do pai de Sandra que conquistou o coração da moça, que o assistia enquanto trabalhava na copa do estabelecimento. Dali não mais se largaram. Formaram família, viveram desafios e sofreram juntos as dores da perda de dois filhos – o primogênito Erasmo, ainda bebê, e o caçula Roberson, num evento trágico. O jovem era seu companheiro de música nos churrascos de domingo, quando o pai na gaita e o filho no violão alegravam os encontros familiares com os ritmos gaúchos.

Com a gaita também criou cantigas para os filhos ainda pequenos. “'O Carijó é Bucha', 'Piuí Piuí' e 'O Gurizinho do Papai' foram algumas delas”, rememora Luciano. Tinha bom ouvido. Os sete netos não foram presenteados da mesma forma, mas guardam na memória as notas musicais sopradas com prazer pelo avô.

José nasceu em Santa Cecília (SC) e faleceu em Passo Fundo (RS), aos 62 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de José, Luciano Bueno. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 17 de janeiro de 2022.