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José Pereira da Silveira

1963 - 2020

Dava um jeitinho pra tudo e sempre dizia: "Agora deixa comigo!"

José era corretor de imóveis e resolvia qualquer situação que lhe fosse apresentada. Dava um jeitinho pra tudo. Para ajudar a família, começou a trabalhar aos 9 aninhos. Vendia ─ e comia também ─ pudins.

Aos 12, já trabalhava numa loja de tecidos, onde começou ajudando na limpeza e em tudo que fosse preciso. Contava que os demais meninos, que lá trabalhavam, tinham vergonha de limpar num certo horário, daí então ele passou a fazer o serviço dele nesse horário. Conquistou sua independência desde muito novinho.

Passado algum tempo, foi promovido a gerente do local. O chefe dele, da loja de tecidos, foi assassinado e ele perdeu todas as economias no confisco do governo Collor. Logo depois, mudou-se para Palmas, a capital do Tocantins e teve então que começar do zero: montou um PitDog e ele mesmo preparava os lanches.

Com o passar do tempo, abriu um mercadinho, depois uma churrascaria, um bar, um loja de conveniência e lubrificantes, trabalhou com locação de tendas... Mais tarde um pouco, passou a atuar como corretor de imóveis, o que sempre foi o seu sonho.

José gostava de ir para as fazendas, tirar fotos e apresentar para possíveis compradores. Chegou até a se perder numa delas e ficou quase uma tarde inteira perdido. Contava tudo isso com um sorriso nos lábios e com uma gaitada no final, porque, no final, tudo dava certo para ele. Nada era difícil, mesmo que para os outros fosse algo complicado demais. Ele acordava cantando e assoviando.

Quando se mudou para Porto Nacional conheceu Solange, aos 26 anos. Era muito feliz por tê-la como esposa e com ela teve duas filhas, Bárbara e Brunna. Com seu coração grandioso ajudava a família dele, a de Solange e a nova que estava se formando. Infelizmente chegou o final do ano e ele não pôde visitar as irmãs e os parentes em Uruaçu, Goiás, onde era recebido como um rei e faziam de tudo para agradá-lo, era muito querido.

Só havia uma coisa que o deixava triste: a desconfiança das pessoas. Era um homem que acreditava no ser humano e que mantinha a honestidade como lema de vida, por isso não compreendia que as pessoas podiam ser diferentes disso.

Nunca reclamou da vida, sempre teve muitos recomeços, mas sempre com esperança e com o coração grato por tudo que a vida lhe trazia. Ele fazia a diferença onde estivesse, era uma pessoa extremamente alegre, mesmo tendo um rostinho de bravo. Falava grosso e alto, mas era dono de um coração doce e de um olhar de criança.

Prova disso é que, nos primeiros dias de internação na UTI, mandou recado para Solange dizendo que estava obedecendo aos médicos “feito menino”. Ele disse que fazia tudo direitinho e sempre dava um "joinha" para todo mundo. Os boletins diários confirmavam: era um paciente extremamente colaborativo.



Esta é uma mensagem de Bárbara, filha de José, para o pai:

"Paizinho, você se mostrou fiel aos seus princípios até o último suspiro. Sei que agora você agora descansa após ter vivido uma curta vida, mas intensa. Uma verdadeira maratona. Podia ter sido os 90 anos, o que eu tanto almejava, já que você dizia que iria cuidar do meu jardim, assim como meu avô de 93 anos faz até hoje com o jardim da minha tia. Todavia, essa não foi a vontade de Deus.

Tenho certeza que você cumpriu sua missão nesta Terra de forma honrosa e com a consciência tranquila por ter feito tudo que lhe veio às mãos e com todas as forças que possuía. Confio e também tenho certeza que um dia você ouvirá: 'Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor'. Enquanto eu estiver aqui, lembrarei de todas as suas qualidades com muito orgulho e gratidão a Deus por ter sido filha desse grande homem.

Pai, sua vida aqui não te deu tudo que merecia aos meus olhos, mas tenho certeza que 'as coisas que o olho não viu, o ouvido não ouviu e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que o amam'. Afinal, só isso explica tudo o que aconteceu."

José nasceu em Uruaçu (GO) e faleceu em Palmas (TO), aos 57 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de José, Bárbara Emanuelle Lopes da Silveira. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Raiane Cardoso, revisado por Lígia Franzin e moderado por Phydia de Athayde em 26 de fevereiro de 2021.