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José Rangel

1939 - 2020

Determinado, tinha predileção por morar em sobrados que construía com as próprias mãos e a ajuda da família.

Um homem independente e voluntarioso. Ao mesmo tempo, um trabalhador incansável, sem medo de enfrentar desafios. Zezinho, como era chamado pelos parentes e amigos, foi casado com Maria Lucia por cinquenta e seis anos. Tinham muitos planos ainda. Apesar da idade, botavam a mão na massa, literalmente. No final de uma vida de muita luta, já aposentados, construíram um sobrado. Aos 78 anos ele bancou o pedreiro, o encanador, o eletricista, subindo em andaimes, fazendo o que precisasse na obra, tudo tinha que ser do jeito dele. E ela era a ajudante perfeita, preparava a massa e tudo que ele pedia, como se os 74 anos não pesassem.

Maria Lucia faleceu um ano e três meses antes que o marido. Foi um baque a perda de Maria Lucia, porém José fez questão de continuar morando sozinho na casa que construíram juntos.

O começo dessa história, contada pela filha Rosalina, remonta a Rifaina, no estado de São Paulo, cidade onde o pai cresceu e que ele muito amava. Depois, ainda bem jovem, foi para São Bernardo do Campo, onde se firmou como fresador e torneiro mecânico em várias indústrias metalúrgicas. Ele costumava contar que naquela época trabalhou ao lado de Lula, quando o jovem sindicalista começava a conquistar liderança entre os trabalhadores na região do ABC, mas preferiu não se envolver em política. Zezinho dizia ter presenciado o acidente em que o futuro presidente perdeu o dedo.

De espírito empreendedor, buscava o tempo todo as novas oportunidades. Comprou um terreno, ergueu um sobrado para a família, construiu algumas casas para aumentar a renda com os aluguéis, administrava dois bares, e assim foi se estabilizando financeiramente.

Mas como sua personalidade era inquieta e pedia sempre movimento, quis tentar a vida no interior, mais distante das grandes cidades. Foi para Ribeirão Preto com a família. Depois, resolveu morar na roça e chegou de charrete em Cássia dos Coqueiros, a 80 km de Ribeirão Preto, junto com seu pai, Manoel Rangel. Ali comprou uma chácara, onde ficaram por uns dois anos vivendo da agricultura rural. Em uma nova mudança adquiriu outro sítio, onde havia um cafezal, porém não ficou por muito tempo.

Com seu temperamento forte, um dia brigou e foi embora de casa sem nada, decidido a não voltar. Pegando carona, foi parar em Miguelópolis e gostou da cidade. Era por volta de 1984. José foi buscar a família e realizou o desejo de montar dois negócios: uma oficina no fundo e uma lanchonete na frente. Na oficina consertava caminhão, trator, colhedeira e ao mesmo tempo conseguia tocar também a lanchonete. Era corajoso e sem medo de enfrentar desafios. Porém as coisas não foram fáceis. Ainda bem que o que mais gostava de fazer era mesmo trabalhar.

Em 1990 deixou Miguelópolis e voltou para São Bernardo do Campo. Tinha 50 anos e recomeçou como limpador de oficina. Logo foi contratado para atuar como fresador de torno, ofício que executava com esmero, pois sempre gostou de fazer usinagem de peças em torno e fresa. Juntou as economias e comprou uma chácara no Riacho Grande, abriu a estrada com ajuda da esposa e dos filhos, construiu nova morada e lá ficou até 2017. Aposentado, voltou para Miguelópolis.

José não era de festas, mas Rosalina guarda fundo na memória a última festa de Natal que fizeram, com os filhos, netos e bisnetos para confraternizar. Foi uma das vezes em que ele pegou o violão e chamou a esposa para cantar a música de Cascatinha e Inhana, Índia, emocionando a família.

Tinha gosto por ouvir músicas sertanejas de raiz no celular, conversar com as pessoas e lembrar o tempo antigo. Era muito atencioso com os amigos.

Homem humilde, trabalhador, turrão, porém muito honesto, agora descansa ao lado de sua leal companheira. Zezinho e Maria Lucia tiveram cinco filhos: a primogênita Regina, Rosemeire, Rosalina, Robson e Rui Roberto. O pai estimulava que os filhos vivessem suas vidas de forma independente, preferia morar separado, cada um levando sua vida, mas procurava dar apoio e estar por perto. Tudo que construiu deixou como herança material e moral. Tinha um grande coração.

José nasceu em Passa Vinte (MG) e faleceu em Miguelópolis (SP), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de José, Rosalina Rangel Bianchi. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Acácia Montagnolli e moderado por Rayane Urani em 28 de março de 2021.