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Jovam Mota da Silva

1970 - 2020

Era nas águas que o homem, que vivia dos céus, se acalmava.

Era meados dos anos 2000, quando Jovam — paraense de Santarém — decidiu pousar sobre Tefé, cidade fincada no coração geográfico da Amazônia. Turbinado com sonhos e com a sensação de, enfim, pilotar a própria vida rumo a um destino mais próspero, fez, nas margens do lago, que leva o nome do município amazonense, seu próprio hangar. Ou, melhor dizendo, seu lar. Afinal, lar é onde se faz domicílio.

Foi nas margens do lago Tefé que, acreditando no poder dos voos, tornou-se gerente de uma empresa área. Em um estado com muitos rios, as viagens precisam ser feitas, basicamente, em barcos ou aviões. Com o trabalho, além de estruturar sua vida, ajudou gente demais.

Há relatos de moradores do município que, doentes, recorriam a ele com a finalidade de aterrissar em Manaus, capital do Amazonas, para tratamentos. Preocupava-se com os outros, mas descartava qualquer preocupação que tinham com ele. Sua característica típica.

Com isso, por vezes se estressava. Reconhecia os picos e, como uma receita, sabia exatamente o que lhe curava: uma boa pescaria, com sua lancha, no lago que banhava a cidade. Ironia ou não, era nas águas que o homem, que gostava — e vivia — dos céus se acalmava. Mas, é claro, um encontro com os amigos, cheio de risadas, piadas e brincadeiras incrementava. E ficava tudo bem.

Além das águas amazônicas, cheias de vida, sua esposa Roneide viveu bons anos ao seu lado. Apesar de gostar da liberdade do voo, sabia que precisava se ancorar em um coração.

Com a família, não foi diferente. Já no hospital, depois ter sido diagnosticado com a covid-19, mandou dizer que voltaria para casa e aos pais, no Pará, que tudo ficaria legal. Mas não foi possível. Hoje, é só olhar para o céu — e para o lago tefeense — que todos se lembram do “Geo”. Em uma surpresa vocabular, o apelido pode significar mais um elemento característico de Jovam: o solo.

Jovam nasceu em Santarém (PA) e faleceu em Tefé (AM), aos 50 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo amigo de Jovam, Cleiton Dalbem de Souza. Este texto foi apurado e escrito por Lucas Eduardo Soares, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 3 de outubro de 2020.