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Júlia Jacinta de Araújo

1959 - 2020

Uma super-heroína com a honra, a honestidade e a dignidade de quem salvou vidas com sua humanidade.

Esta é um carta aberta da sobrinha Thais para a sua tia, Júlia:

Uma tia para chamar de super-heroína.

O monstro ainda não acabou e há quem pense estar tudo bem. É um ser invisível e confunde muita gente. Ele anda entre corredores, apertos de mãos e conversas no supermercado. É comandado por homens de terno e gravata e está onde a gente menos espera. Homens que preferem a negligência, os desvios, as notícias falsas e a corrupção. Homens que desconhecem o amor.

Quando criança, escutamos histórias em que um super-herói salva a humanidade contra as garras do monstro. Na vida real, o monstro pega até quem a gente acredita ser super-herói.

Quando há a partida de alguém próximo, costumo relembrar e escrever quem foi essa pessoa. Fiquei com medo desta carta parecer uma crítica; neste caso, não pôde deixar de ser. Mas, hoje é dia de contar quem foi Tia Júlia.

De origem humilde, tia Júlia foi uma super-heroína alegre, com rosto sorridente e humor leve. Estava presente tanto nas festas quanto nos momentos tristes. Logo no início, quando o monstro começou, ela tentou afastar-se, mas o instinto de seu bom coração a fez vestir o uniforme. Tia Júlia passou dias de trabalhos exaustivos para salvar um número incontável de vidas.

Ela também era humana. Humana mesmo, sabe? Daquelas que te ligava só para saber se está tudo bem, que te recebia com abraços apertados nas chegadas, que se preocupava e oferecia ajuda quando percebia um pedido de socorro. Era tão alegre que pedia para ninguém chorar quando ela fosse embora. Desculpe, tia... Não é fácil evitar o choro por quem fez tanto bem ao mundo.

Pois é… Tia Júlia foi humana. Sua humanidade trajou a força de uma heroína; mas, somos frágeis, como qualquer ser humano.

O meu desejo agora é ligar a TV e escutar que os heróis são invencíveis. Pena isso não ser uma possibilidade. Não há heróis, há gente humana que também é heroína, e ela foi um exemplo dessa gente.

Ela curou vidas e o monstro não poupou a sua. Lutando contra o monstro, Tia Júlia deu aula de humanidade aos homens sem amor.

Tia Júlia vai embora com a honra, a honestidade e a dignidade de quem salvou vidas.

Tia, de ti temos a agradecer o exemplo que foi. Seu lugar aí no céu está garantido e as lembranças de sua alegria estão presentes em todos que por você tiveram a felicidade de passar.

Com a partida de Tia Júlia vimos os efeitos da negligência. É triste observar que o monstro continua cada vez maior, enquanto o povo fecha os olhos e escuta homens que escolheram a morte de milhares de pessoas.

Tia, obrigada por sua lição de humanidade!

Abraços amorosos e orgulhosos de sua sobrinha,

Thais.

Júlia nasceu em Caicó (RN) e faleceu em Caicó (RN), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha de Júlia, Thais Araujo Souza Patez. Este tributo foi apurado por Lígia Franzin, editado por Mariana Lopes, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 29 de dezembro de 2020.