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Klebson Bezerra da Cruz

1983 - 2020

Quando menino, ele montava baterias na copa das árvores do quintal e fazia o maior som.

Uma alegria, que de tão intensa e constante, não cabia nele e envolvia os lugares e pessoas por onde passava. Esse foi Klebson, que na velocidade de seus 36 anos viveu intensamente os momentos apresentados pela vida.

Da infância veio o apelido carinhoso de Pé, inventado pela irmã Klebiana, quando ainda estava bem pequenina. Enquanto aprendia a dizer as palavras, e com a dificuldade natural em pronunciar o nome do irmão, ela passou a chamá-lo assim. E o vocativo carinhoso foi ganhando espaço até que todos da família e amigos passassem a usar.

Em contrapartida, Klebson também inventou apelidos para as duas irmãs. Klebiana virou Bibia e depois Didira. Por sua vez, Klebiene era Petinha. A relação entre eles, como normalmente ocorre entre irmãos, teve sim seus momentos de brigas e discussões, dessas que são corriqueiras na convivência cotidiana e fraterna. Klebiana conta orgulhosa que Pé sempre foi muito presente e parceiro. Nas situações em que aprontavam suas estrepolias os dois eram confidentes e apoiavam-se mutuamente. Todos na casa sabiam que podiam contar com ele, que estava sempre disposto a colaborar e estar presente e participativo em tudo.

Quando menino, a brincadeira predileta dele era construir baterias. Klebson ia juntando pela casa objetos que produzissem algum som de percussão. Subia com os amigos nas árvores do quintal e a zoeira era certa. Juntamente com Fabiano e Nilsinho, Pé tirava o maior som de latas, panelas, pedaços de ferro, ferramentas e o que mais encontrassem e fosse capaz de soar. Da copa das árvores, os sorrisos e conversas alegravam o quintal e quem mais passasse.

Klebson foi um filho que sempre brincava com sua mãe, Ana. Uma das diversões dele era “aperriar” a Ana. Vez por outra chegava e dizia: 'Você está namorando, né? Eu vi você namorando'. E ela ia ficando irritada e ralhava com ele respondendo: 'Deixa de falar besteira e me respeite, menino'. E ensaiava uma corrida atrás do filho e o colocava para correr. Minutos depois, os dois riam do acontecido e o dia seguia seu curso.

Com o pai, Nelson, a convivência aconteceu somente até uma etapa da vida. É que depois de um tempo o pai seguiu para São Paulo e não havia mais muito contato entre os dois.

Foi exatamente esse fato que produziu uma convivência intensa de Pé com os avós paternos, Seu Raimundo, muito conhecido como Bila e Dona Maria Mafiza. Com a ida do pai para Sampa a mãe e os filhos passaram a morar com eles. Acontecimento que mudou a forma como os dois viam a relação com Pé, que de neto foi ganhando ares de filho.

Sempre preocupado com seus avós, desde muito novo ajudava Seu Bila no trabalho de camelô em uma feira de Crateús, no Ceará. Os dois levantavam cedinho e Pé ajudava o avô a colocar os produtos e a barraca no carro. Seguiam juntos até a feira, onde faziam a montagem do ponto de venda. Em seguida, ele voltava para casa, tomava seu banho e ia para a escola. Depois da aula, era momento de ajudar Seu Raimundo a desmontar a barraca e voltar para casa.

Outro momento marcante também ocorreu na relação dele com Seu Bila. Na juventude, Klebson passou a gostar bastante de bebidas. Um pouco mais tarde, por influência do avô, mesmo não sendo um alcoólatra, o neto passou a acompanhar Seu Raimundo nas reuniões dos Alcóolicos Anônimos. Assim, foi descobrindo outros prazeres na vida e percebeu que o ato de beber não lhe fazia bem. A irmã Klebiana comenta alegremente que o fato de Klebson ter parado de beber fez dele uma pessoa muito mais centrada em si mesmo e no transcorrer da vida.

Para se dirigir à Dona Mafiza, também a partir de seu jeito brincalhão, Klebson dizia “Ró”, em vez de “Vó”. Do alto de sua idade, ela olhava para ele e dizia a ele que falasse direito, “você sabe falar e não fala porque não quer”.

Klebson casou-se duas vezes. Da primeira vez ele a esposa Leidiane eram bem jovens. São boas as lembranças dos dois brincando os carnavais de rua da cidade. Pé gostava de fantasias e durante a festa eram muitas as fotos. Num desses carnavais ele e Leidiane foram para a rua fantasiados de Patati e Patatá. Quem via achava a maior graça. A relação dos dois gerou Ana Beatriz e João Pedro. Na época da separação do casal, por algum tempo os dois também moraram na casa dos bisavós, tempo em que a relação entre Pé e João Pedro foi muito intensa. Era o pai chegar em casa e ele colava nele.

O segundo relacionamento foi com Valéria. Uma relação mais madura e também marcada pelo afeto e alegria, que gerou Maria Alice.

Mesmo depois de casado, todos os dias, pela manhã, Klebson passava na casa dos avós. O mesmo acontecia na volta do dia e no final da tarde. Ele chegava e seguia para a cozinha, onde investigava o que havia nas panelas. Abria uma, outra... Ao perceber a movimentação Dona Mafiza logo dizia: “Você já está mexendo nas minhas panelas...” Pé ria e devolvia: “Vem Ró botar uma marmita pra mim”. Um dia após o outro, ele levava a refeição nas vasilhas da avó que, vez por outra, percebia que o armário estava ficando vazio, pois o neto não devolvia o vasilhame do dia anterior. Meio zangada, ela comentava que ele levava todas as bacias dela e pedia que as trouxesse de volta. Noutras vezes, Dona Mafiza dizia que não podia mais fazer suas saladas porque Pé comera toda a maionese da casa.

No mundo do trabalho, Klebson, além da ajuda que deu ao avô na venda de seus produtos na feira, também trabalhou em uma loja de variedades da cidade e numa oficina de motos. Aliás, as trilhas de moto, durante um tempo, foram sua maior diversão. Pé curtia as aventuras na velocidade das trilhas e uma vez chegou inclusive a fraturar uma clavícula, mas tudo ficou bem.

Como instalador de antenas de celular rural, ele fez uma grande amizade com Joãozinho, o dono do negócio. Por lá os apelidos dele eram Macaúba e Trovão Azul, numa referência ao jeito sempre disposto e responsável de atender aos chamados, demonstrado por Klebson. Joãozinho sabia que podia contar com ele e que bastava apresentar uma demanda para que rapidamente Pé assumisse e fosse atender à solicitação e conectar ou reconectar mais uma casa ao mundo da telefonia.

No Sertão dos Inhamuns, o acolhedor e alegre Klebson segue vivo, nos momentos de alegria das casas dos avós e dos irmãos. Na quietude das vasilhas de Dona Mafiza dentro do armário. E nos silêncios, que remetem ao som das baterias construídas por ele na infância.

Klebson nasceu em Crateús (CE) e faleceu em Crateús (CE), aos 36 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Klebson, Klebiana Bezerra da Cruz. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 16 de dezembro de 2021.