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Laurinda Soares Varolo

1948 - 2021

Não aparentava a idade que tinha: todos sempre se espantavam com tamanha jovialidade.

Laurinda era dona de uma personalidade única e especial, e estava sempre acompanhada de seu otimismo, alegria e afeto. Mesmo não gostando muito de beijos e de abraços em excesso, ela era extremamente amorosa, atenciosa e fazia tudo com o máximo capricho: para ela, cada detalhe tinha a sua importância. Foi uma mulher reservada, tímida e não gostava muito de tirar fotos, mas a sua beleza era percebida por todos. Era sempre elogiada por aparentar ser mais jovem do que era: normalmente, as pessoas acreditavam que ela tinha 50 anos em vez de 72. Conta a filha, Kelly: “Às vezes ela pegava um ônibus, entrava pela porta da frente — porque tinha o cartão do idoso — e o motorista ficava olhando pra ela e falava: ‘O documento, por favor, senhora’. Ela mostrava, e aí ele falava: ‘Nossa, a senhora tem toda essa idade mesmo? Tem certeza de que não é um documento falso?’” A beleza de Laurinda destacava-se em todos os lugares, e era fruto dos inúmeros cuidados que ela tinha consigo mesma. A sua jovialidade também era percebida por sua energia. Era sempre a primeira a mencionar o amigo secreto e era apaixonada pelas festas de final de ano.

Cuidava da casa com uma agilidade incomparável: conseguia dar atenção a diversas tarefas ao mesmo tempo, sem deixar nenhuma para trás. Uma de suas características mais marcantes era a organização; era muito detalhista com a casa e gostava de tudo no lugar certo, do jeitinho dela.

A leitura da Bíblia também estava sempre presente em sua rotina: todos os dias, à noite, ela podia ser vista com os olhos absortos em cada página, linha e palavra. Durante o tempo em que esteve em casa ela assistia aos cultos, todo domingo, através de um site de compartilhamento de vídeos, e sua maior saudade era a de ir para a Igreja. Também estava sempre atualizada: sabia de todas as informações e notícias que passavam, além de acompanhar os famosos — e suas fofocas — por uma rede social de fotos e vídeos.

O coração de Laurinda tinha um espaço reservado para a sua família. Junto com o seu amor, Alcínio, ela criou seu casal de filhos, Kelly e Fábio, com muito cuidado, atenção e carinho. Com o tempo, apareceram mais dois presentes na vida de Laurinda: Guilherme e Stella, seus netinhos. Foi apaixonada por eles durante toda a sua vida, e estava sempre pronta para passar o tempo com os dois. Cuidou de Guilherme desde o dia em que ele nasceu, durante dez anos, como se fosse seu próprio filho.

Kelly e Laurinda moraram juntas por muitos anos e cultivaram uma amizade rara entre mãe e filha. As conversas entre as duas envolviam desde assuntos importantes até os mais simples do dia a dia. Kelly sempre pôde contar com sua mãe e confidenciava tudo a ela: relacionamentos, decepções, trabalho e todos os outros assuntos que envolviam sua vida. “Ela me ajudava até com meu cabelo: fazia escova pra mim, passava chapinha, tingia; fazia a minha unha, meu pé, a minha depilação, ela fazia tudo pra mim, tudo”, diz Kelly. Elas eram o abrigo uma da outra.

Laurinda não teve oportunidade de estudar, mas possuía uma inteligência admirável. Começou a trabalhar aos 22 anos como costureira, ofício que aprendeu apenas observando outra pessoa costurar. Também atuou como manicure e depiladora durante muitos anos na Oscar Freire, no centro da região paulistana dos Jardins e, novamente, aprendeu por conta própria a fazer as unhas e a depilação.

Em seu tempo livre Laurinda gostava de fazer pintura nos cadernos que ganhou da filha. Era tão apaixonada por isso que tinha uma caixa onde guardava os seus lápis de cor, de todas as cores possíveis. Kelly deu a ela dois cadernos ilustrados e quando ambos foram pintados seu neto lhe apresentou os aplicativos de pintura no celular. Ela também gostava de preencher cruzadinhas e de fazer passatempos com números — não pesquisava nenhuma resposta, ficava pensando até encontrar a solução. Viagens e passeios também eram responsáveis pelo sorriso no rosto de Laurinda: ela sempre teve vontade de voltar para Porto de Galinhas, em Pernambuco, destino da sua primeira viagem de avião.

Uma de suas muitas habilidades envolvia panelas, talheres e pratos: ela fazia o melhor salpicão de todos. Todos os anos, no Natal, a família se alegrava com a comida de Laurinda. Ela cozinhava com gosto e perfeição: os ingredientes eram minuciosamente cortados e, ao final do preparo, a comida dava água na boca de quem estivesse por perto. Todas as receitas de Laurinda eram extremamente saborosas, incluindo a bacalhoada e o estrogonofe — prato favorito do neto, diga-se de passagem. A sobremesa também era garantida com a gelatina colorida em cubos, acompanhada de creme de leite.

Kelly despede-se da mãe, falando com carinho: "Ela não era muito fã de fotos, porque sua timidez sempre falou mais alto! Nunca foi de se expor e sempre achava esse 'excesso de exposição' atual muito fora do normal para os costumes dela. Sempre me dizia: 'Para que tirar foto de tudo e postar?' E de fato, ela tinha toda razão; aliás sempre teve!

Minha mãe sempre usava as palavras certas no momento certo! Era destemida e quando se dispunha a fazer algo ia até o fim e concluía tudo com sucesso e seu magnífico talento! Talento que ela tinha para culinária, costura, desenho, pintura, estética, limpeza e uma infinidade de outras coisas... Para mim — e garanto que para muitos também — ela era exatamente a perfeição em pessoa! Era admirada justamente pela maneira de fazer tantas coisas sem nunca ter estudado muito, nem ter feito cursos!

Comemoração era com ela mesmo! Amava! Nos últimos tempos, ela se privou de estar perto dos familiares devido a isso tudo! Sempre se cuidou! Não deixava de fazer sequer um exame de rotina, sabia todas as datas certinhas!
Sentia-se feliz com muito pouco e era preciso muito para lhe roubar o ânimo!

Sempre foi mãe e avó dedicada! Educou e fez papel de mãe criando o meu filho como se fosse o terceiro dela... e era! Tão apegado, que desabou em lágrimas assim que recebemos a notícia... abraçou a foto dela no celular e disse que dará muito orgulho a ela e jamais a esquecerá. Meu filho tem sido forte, mais do que eu esperava, porém não me surpreendo, pois foi dessa forma que ela o criou! Sempre mostrando e ensinando a sua força! Seu maior desejo era vê-lo moço, o que, infelizmente, não vai ser possível!

A humildade e a generosidade da minha mãe eram suas marcas registradas! Quem a conheceu sabe do que estou falando! Sempre disposta a ajudar e ajudou muita gente! Sua simpatia era algo natural, sua disposição era invejável, sua inteligência primordial, sua garra incomparável e seu amor incondicional!

Essa era a minha MÃE! Minha doçura! Quanto orgulho eu sinto de você, de ser sua filha, de ter sido amada e cuidada até a hora da sua partida, porque até nesse momento a Senhora cuidou de mim e de todos nós como sempre fez!"

Laurinda deixa um legado de amor, cuidado e carinho para sua família!

Laurinda nasceu em Rinópolis (SP) e faleceu em Guarulhos (SP), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Laurinda, Kelly Cristina Varolo. Este tributo foi apurado por Mariana Ferraz, editado por Mariana Ferraz, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 9 de janeiro de 2022.