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Lenílson da Silva

1970 - 2020

Fez do pão de cada dia a base do amor em família.

O dia nem bem amanhecia e lá estava ele, às 4h30, a caminho do trabalho, numa das padarias mais antigas do centro de Recife (PE). Voltava para casa já à noite, satisfeito, apesar do cansaço. Lenílson percorreu o mesmo trajeto por quase trinta anos, de segunda a sábado, para comandar os fornos do estabelecimento e encher de delícias salgadas e doces os balcões do local. “Cresci vendo que ele era muito responsável no trabalho e honrava com seus compromissos”, relembra Mirlene, a filha mais velha. “Gostava muito do que fazia.”

Antes de aprender o ofício de padeiro, ainda bem jovem Lenílson pedalou pelas ruas da capital pernambucana entregando encomendas a serviço dessa mesma panificadora. A curiosidade e o desejo de ter novas experiências o levaram, literalmente, a colocar a mão na massa e conhecer a atividade da pastelaria, preparando pães, salgados, tortas, pizzas, bolos. Mirlene comenta que, quando criança, ela e a irmã Letícia achavam que o pai, como padeiro, só dominava a arte dos pães. “Depois entendemos que ele fazia tantas coisas gostosas e aprendemos um pouco também.”

Animado com as festas familiares e a casa cheia, junto com a esposa Marlene acolhia ainda amigos, sobrinhos e quem mais chegasse para comemorar aniversários, dia das mães, dia dos pais, Natal, Ano Novo e saborear as suas iguarias. Era só saber que havia gente em casa e ele vinha carregado dos seus quitutes. “Todo mundo gostava do seu pastelão de frango ou bacalhau, era o preferido para as reuniões.”

Quando se aposentasse, Lenílson e Marlene já tinham planos de montar uma lanchonete, um negócio próprio para a família, “mas o sonho foi interrompido”, traduz a filha. A viuvez precoce o desmotivou e entristeceu. No entanto, homem forte que era, Lenílson contou com o apoio de todos os familiares para levantar a cabeça e dar o suporte que suas duas filhas precisavam naquele momento difícil. “Foi o melhor pai que ele podia ser”, reconhece Mirlene.

Seus domingos, única folga da semana, eram reservados para uma cervejinha com o grande amigo Carlos ou para os almoços de família. Às vezes fugia do burburinho da cidade grande e visitava a mãe em Bonito (PE), sua terra natal. Lá gostava de aproveitar as cachoeiras e piscinas naturais com os primos.

O tempo aos poucos também consolou o coração de Lenílson a ponto de ele começar a namorar, em um relacionamento apoiado por Mirlene e Letícia, que torciam pela felicidade do pai querido. “Ele era muito novo, queríamos que reconstruísse sua vida.”

“Ele nos deu muito amor mesmo. Era admirado por pessoas que eu nem conhecia, amigos que lembram dele com carinho e saudade.” Da fala emocionada de Mirlene transbordam força, gratidão e orgulho.

Lenílson nasceu em Bonito (PE) e faleceu em Recife (PE), aos 49 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pela sobrinha de Lenílson, Mirlene Carla Pereira da Silva e Patrícia Pereira da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 9 de maio de 2021.