Sobre o Inumeráveis

Leonice Calegari Futia

1938 - 2020

Com o dom de ser uma grande anfitriã e a bondade de uma matriarca, vozinha era sinônimo de amor ao próximo.

Este é um relato de Ezio sobre a sua vozinha, Leonice:

Carinhosamente apelidada de vozinha, veio para Rondônia, junto com sua família, como tantas outras em busca de uma vida melhor. Aqui criou seus filhos, passou pela dor de perder o marido e seguiu firme e forte, sendo o esteio de sua família. Família esta que é muito admirada pelo dom da receptividade, do acolhimento e principalmente da vida libada e cristã.

No dia 5 de maio de 2010, Deus me deu a oportunidade de conhecer o Edy Verdiano e, através dele, toda a sua família que tanto admiro e amo. Conheci a vozinha neste período e ela, como sempre, com seu jeito receptivo, cativou meu coração e tenho certeza que eu também ao dela. Foram mais de dez anos de uma convivência de muito respeito e admiração.

No cemitério, quando seu filho, que é presbítero da igreja, falou que iríamos orar em ação de graças, veio a mim àquela indagação: “Por que ação de graças, se estamos aqui em um momento tão triste?”. Mas Deus, como sempre, tocou-me e me fez entender que era sim um momento de ação de graças, pois ali se fechava um ciclo, porém permanecia a história de amor de uma matriarca.

Lembro-me da primeira vez que fui a um culto não festivo com eles e, neste dia, a pregação era a do filho pródigo. No final da celebração, ela pediu a oportunidade e vi ali a figuração do pai daquela história contada. Ela, com seu jeito meigo e maternal, tocou em meu coração que estava geladinho e apequenado, com suas palavras que uma à uma incendiavam meu coração e, naquele momento, seu amor me conquistou para sempre.

Todas as datas festivas como, por exemplo, o Dia das Mães e festividades de fim de ano, lá estávamos todos nós, reunidos. Ela tinha prazer em alimentar aquela multidão de pessoas e preocupava-se para que cada um que ali estivesse se sentisse bem. A gente que ficava na organização da ceia sempre tinha o cuidado de fazer tudo, cada detalhe a seu contento. Suas palavras de gratidão e o seu sorriso de agradecimento não tinham preço, faziam valer todo o esforço.

Os laços foram se estreitando e o fim de ano na vozinha virou tradição para parte de minha família que mora aqui. Minha mãe, sempre que podia, estava com a gente e sempre se encantava com a doçura da vozinha.

Devido à pandemia não pude mais visitá-la. Na quinta-feira depois do Dia Mães, como sempre fazia, fui levar sua lembrancinha. Fiz todo um ritual de higiene em casa, fui até o portão, dei bênção e entreguei o humilde agrado que levara e ela ficou feliz por ter ido lá.

Então, era sim dia agradecer. Agradecer a Deus por oportunizar que tivesse tido a graça de conhecer uma pessoa tão amável e que tanto amei. Quando dava bênção ou chamava de “vozinha”, era o que eu sentia, ela era, de fato, a minha vozinha.

Nosso último encontro foi em um momento difícil para os dois. Eu estava levando meus exames para o médico e ela iria ser internada. Tive a oportunidade de dar um último adeus. Não sou muito de tirar fotos, mas naquele momento pedi à ela se poderia registrar.

Foram dias difíceis, nunca clamei tanto a Deus quanto nestas semanas. Em minha imaturidade espiritual, clamava pela cura e para que ela voltasse para o meio de nós, mas Deus, como sempre, já tinha todos os seus planos.

Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo, como expressa os versículos bíblicos: “Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro” (Filipenses 1.21) e, “Fiel é esta palavra: se com Ele morremos, com Ele viveremos” (2 Timóteo 1.11). A novidade essencial da morte cristã está nisto: através do batismo, o cristão já está sacramentalmente “morto com Cristo”, para viver de uma vida nova e, se morrermos na graça de Cristo, a morte física consuma este “morrer com Cristo” e completa, assim, nossa incorporação a ele em seu ato redentor.

Agradeço a cada familiar da vozinha pelo carinho e respeito mútuo que convivemos e sei que está sendo muito difícil, mas Deus vai continuar nos abençoando como sempre e agora na certeza de que sua filha já se encontra em sua casa e nós aguardamos na esperança da vinda do Cristo Salvador. A saudade será grande, mas seremos fortes.

Leonice nasceu em Mimoso do Sul (ES) e faleceu em Ariquemes (RO), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Leonice, Ezio Pereira dos Santos. Este tributo foi apurado por Carla Cruz, editado por Débora Zanchi, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 20 de novembro de 2020.