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Luciana Kelly Barbosa Carvalho

1983 - 2020

Ao som de um animado pagode ou de um tocante louvor, Keke passava um dia inteiro dedicada a deixar a casa impecável.

Tudo o que Luciana realizou em vida foi feito com muito amor e dedicação. Ela era aquela pessoa parceira que você liga a qualquer hora do dia ou da noite e está sempre a postos para te ajudar. Keke – como era carinhosamente chamada por todos da família, do bairro e do trabalho – amou incondicionalmente e viveu aproveitando cada momento.

Karyna, sua irmã, diz que ela era dona do coração mais bondoso que existiu. “Quem a conheceu sabe que ela possuía o coração mais puro do mundo, era muito difícil vê-la com raiva. Sempre falava ‘Pague o mal com o bem’ em todas as situações. No trânsito, com pessoas grosseiras, em qualquer tipo de adversidade do dia a dia, ela usava essa frase conosco. E esse foi o maior aprendizado que ela deixou.”

Sua vida foi impulsionada pelos amores que teve. Erivaldo, primeiro namorado e marido apaixonado ao longo de vinte anos. Sua maneira de chamá-lo era única e enaltecia o amor que tinha: “Lindo lindo”. Keke também o achava parecido com o cantor Gusttavo Lima, mas era a única da família a pensar desta forma.

Com Crislene, sua filha mais velha, compartilhou momentos únicos e marcantes ao longo de quinze anos. Todas as noites, quando Keke voltava do trabalho e chegava em casa, as duas, juntas, iam direto para a cozinha e preparavam o jantar. As conversas, risadas e trocas aconteciam ali sem espectadores, apenas as duas, na maioria das vezes.

E para completar esse coração enorme, Keke foi surpreendida pela vida com um presente que nem imaginava: Rebeca. Foi só quando completou oito meses de gestação que descobriu a gravidez, até então pensava que o desconforto na barriga e a sensação de ter algo se movendo lá dentro era o balão gástrico que havia colocado. Esse, sem dúvida, foi um momento de transformação em sua vida.

Keke era aquela mãezona bem protetora que não gostava de ver Cris andando de bicicleta por simplesmente ter medo de que a filha caísse e se machucasse. Ao mesmo tempo, queria estar sempre por perto, amava jogos online em companhia de Cris e seus amigos, fazia penteados nas meninas, adorava ver filmes e séries com elas, ir ao shopping, ao cinema, viajar e dirigir, especialmente pegar estrada. A maior parte dos programas acontecia no quarto com as três juntas. A sua vida e suas atividades favoritas eram com elas, sempre as três.

Sua frase bordão era “Não me adoece”. Se a conta de luz viesse com um valor mais alto do que o habitual, o ‘Não me adoece’ vinha com um tom de preocupação, por exemplo. Se alguém demorasse para lhe contar um segredo, era um curioso ‘Conta logo, não me adoece não’. Sua maior peculiaridade era trocar as letras “b” por “p” e vice-versa, na escrita.

Keke era bem vaidosa e gostava de usar brincos grandes. Tinha o costume de tirar um dia na semana para arrumar a casa e deixar as coisas das meninas em ordem. Durante esse dia inteiro, a casa estava ecoando e dançando junto com ela. Colocava a música para animar e, embalada no som, ia fazendo suas tarefas feliz da vida.

Outra mania que não deixava de se realizar, fazendo chuva ou sol, era a panelada de domingo. “Há muitos anos, ela e o marido iam comer panelada – um prato bem tradicional aqui no Ceará – todo domingo de manhã. Quando eventualmente, ela não conseguia ir, Erivaldo ia buscar e trazia para ela. A quinta do caranguejo era figurinha carimbada também.”, lembra Karyna.

“Excelente esposa. Uma mãe magnífica. Filha maravilhosa. Minha melhor amiga, dizia que eu era a pessoa dela.” – uma referência à série Grey’s Anatomy, a qual era apaixonada –, conta Karyna. A família era o seu maior presente, construiu sua casa ao lado da casa de sua mãe para, justamente, estar perto e conseguir cuidar dela. Keke tinha a bondade de sua mãe e a força de seu pai, ela foi a junção perfeita desse amor.

“Estávamos sempre juntos, Natal, aniversários, tudo era motivo de celebração, ela não deixava nada passar batido. Organizava surpresas daquelas que a gente já sabia que viria, mas que eram muito especiais. Onde ela chegava, sempre brilhava.”, recorda sua irmã.

Tinha também o hábito de frequentar o estádio de futebol aos domingos para assistir aos jogos do Fortaleza junto com seu pai, marido e filha. Estava constantemente cercada por muitos amigos; adorava juntar o pessoal e fazer um churrasquinho aos finais de semana no quintal da casa dos pais com a família e os amigos mais próximos.

Sua fé nunca a abandonou, nem nos momentos mais difíceis que enfrentou. Acreditava muito em Deus e fazia o bem não importasse a quem. “Se as meninas ganhassem algum presente, elas doavam algumas coisas mais velhas para quem precisasse, Keke dizia: ‘Quem abençoa, é abençoado’.”, comenta Karyna.

Voluntária em uma comunidade terapêutica por quase dez anos, Keke era extremamente caridosa. Trabalhava em uma creche infantil e tinha o sonho de abrir uma instituição voltada aos cuidados de crianças em condição de rua. O nome de sua instituição seria uma homenagem à sua tão amada vó Sitonha. Seu coração sempre tinha espaço para ajudar o próximo e continuará sendo um lindo exemplo de bondade, em seu sentido mais puro.

Luciana nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 37 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Luciana, Karyna Karren Barbosa Carvalho. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Lícia Zanol e moderado por Rayane Urani em 30 de novembro de 2021.