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Luciano Freire da Silva

1938 - 2020

Um forrozeiro que não perdia nenhuma prosa na calçada de casa e almoçava frango ao molho todo santo dia.

Conhecido por todos como Seu Luciano, esse homem que criou os quatro filhos com dificuldades e com muito esmero era uma grande figura. Conheceu sua amada Raimunda Freire quando ele contava 18 anos e ela 16. Raimunda era órfã de pai e mãe, e morava com o irmão. A filha caçula do casal, Érika, conta que a vida de sua mãe não foi nada fácil, até conhecer Luciano. "Ela teve muita sorte de encontrar meu pai! Ele foi um marido amoroso, uma pessoa que vivia sorrindo!" A família cresceu e se multiplicou, vieram dez netos e quatro bisnetos.

Desde pequeno, foi um menino muito estudioso. O casal humilde ─ a mãe sendo lavadeira e o pai, zelador ─ tinha um orgulho enorme por ver o filho tão empenhado em aprender. Quando jovem, estudou na Escola Técnica e, por ser um aluno exemplar, foi escolhido para fazer parte de uma turma especial que partiria para outro estado a fim de trabalhar na Rede Ferroviária Federal S/A (Refesa) ─ uma antiga empresa estatal brasileira de transporte ferroviário.

À época, ele não dispunha de recursos financeiros para viajar para outro estado e, por isso, teve de abdicar desse sonho. Foi assim que Seu Luciano abraçou a carreira de pintor em uma grande fábrica de refrigerantes em Fortaleza e, com esse trabalho digno, sustentou a família.

Era cheio de habilidades esse Seu Luciano, era o repórter oficial da calçada da rua; punha a cadeira de balanço em frente à porta de sua casa e, dali, ficava observando tudo o que acontecia, sabia dos "particulares" da vida de todos os vizinhos enquanto escutava forró na FM 93. No entanto, essa veia jornalística nem era seu maior talento. Seu Luciano era um verdadeiro pé de valsa, forrozeiro dos bons, ou ─ como se diz em Fortaleza ─, dançador de forró.

Essa paixão de Seu Luciano pela dança deu origem a um dos costumes da convivência em família; ele, junto com a esposa, a filha Érika, o genro e os três netos ─ que moravam juntos na mesma casa ─ tinham a tradição de sair para jantar em algum lugar que tivesse música para o habilidoso dançarino mostrar seus talentos na pista.

Madrugador, Seu Luciano costumava acordar às 4h30m, antes até das galinhas! Então, quando dava 10h30m, ele já queria almoçar. Entretanto, não dava trabalho a ninguém com esse relógio biológico tão adiantado, posto que ele mesmo fazia seu café da manhã e seu almoço. O problema é que o cardápio era sempre o mesmo: todos os dias, Seu Luciano fazia frango ao molho; e, não, não é modo de dizer, era todo dia mesmo! Está certo que o prato era delicioso, o melhor frango ao molho. Só que ninguém aguentava mais. E caso alguém reclamasse, ele dizia: "Quem quiser comer outra coisa, que faça!"

"Meu pai ensinou para os filhos que a gente tem que querer aquilo que pode ter, e ficar feliz com isso. Foi uma pessoa que veio para esse plano para somar, contribuir e trazer felicidade", são as palavras amorosas da filha caçula e, também, cuidadora do senhor Luciano, Érika.

Luciano nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 81 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Luciano, Érika Mara Meneses Freire. Este tributo foi apurado por -, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 18 de dezembro de 2020.