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Lucinézio Moraes Rezende

1977 - 2020

Tinha o apelido de “Bamburrado”, expressão paraense para quem encontrou grande quantidade de ouro.

Seus amigos assim o chamavam porque ele gostava de ostentar, dizia que dinheiro era para se gastar mesmo. Mas seu bem mais precioso, seu maior tesouro, era Maria Alice, a filha de 4 anos, cópia fiel do pai, vaidosa e faladeira como ele.

Quem conta isso é Diana, sua companheira. Estavam juntos há cinco anos, mas o primeiro encontro aconteceu muito tempo atrás. Conheceram-se há dezoito anos numa praça, namoraram por três anos e se afastaram por doze. Reencontraram-se e desde então era só amor, iam se casar: “Foi um reencontro de Deus”.

Funcionário concursado pela Prefeitura de Bannach, nas horas vagas comprava e vendia gado, conectado com a paixão que sentia por estar no campo. Gostava de viver a vida intensamente e dava grande importância para a família. Um homem esforçado, muito alegre, de bem com a vida e sempre disposto a ajudar o próximo. Um marido nota mil. Como pai, fazia tudo que Maria Alice pedia. “Com dedicação insuperável, vivia em função dessa filha, em todo lugar que ia, ficava falando dela”, lembra Diana. Acompanhar o crescimento de sua princesa era o que ele mais queria.

Não media esforços para proteger seu tesouro. Quando Diana ficou grávida, bem no auge da epidemia de Zika, em que as crianças corriam o risco de nascer com microcefalia, a esposa foi contaminada e ele, desesperado, levou-a para a França, porque lá havia mais recursos para cuidar da bebê, caso ela nascesse com algum problema. Mas Maria Alice nasceu com saúde, veio ao mundo perfeita.

Lucinézio adorava reunir a família - tios, irmãos, sobrinhos e primos – para os inesquecíveis churrascos aos sábados. Onde ele estivesse, o clima era sempre de festa, ele se tornava o centro das atenções com sua energia vibrante. De espírito cigano, vivia na estrada e gostava muito de viajar para cidades próximas como Redenção, Eldorado e Marabá, mas o ponto alto das férias era passar o mês de julho na Praia do Cabral, às margens do rio Araguaia.

Tinha como filosofia de vida viver o dia de hoje como se fosse o último, porque o dia de amanhã não nos pertence.

Foi um guerreiro e lutou pela vida até o último momento.

Lucinézio nasceu em Conceição do Araguaia (PA) e faleceu em Redenção (PA), aos 42 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Lucinézio, Valdiana Sousa Lopes. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 16 de agosto de 2020.