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Luiz Flor

1950 - 2020

“Para o Brasil, só mais um caso de morte. Para nós, uma perda irreparável” – Família Flor.

Policial militar, bombeiro, filho, marido, pai e avô. Muito além de somente um número entre milhares de vítimas fatais da Covid-19 no Brasil, Luiz Flor também era uma pessoa munida de muitas histórias, lembranças, carinho, afeto e amor de quem o conhecia.

Filho de uma nordestina, vinda da cidade de Santana do Ipanema, nas Alagoas, Luiz cresceu em um cenário de muitas adversidades. Nascido no interior de São Paulo, possuiu um registro no qual constava apenas o nome da mãe, que nunca chegou a aprender a ler e a escrever. Indo contra toda essa situação, em 1975, Luiz Flor passou em um concurso da Polícia Militar, onde trabalhou por 5 anos e, depois, ingressou no Corpo de Bombeiros, em sua cidade natal.

Era querido na profissão, principalmente pelos bombeiros novatos, por sempre estar disposto a ajudá-los nas dificuldades e dúvidas do início da carreira. Era conhecido por ser uma pessoa agradável e por evitar embates e discussões. Por ter uma certa popularidade na corporação, chegou a ser presidente da Associação de Cabos e Soldados e, gostou tanto dessas atividades de integração, que mesmo depois de se aposentar, decidiu fazer parte da Associação de Aposentados da Polícia Militar.

Como não estava mais trabalhando, caminhar tornou-se um de seus hobbies.

Mesmo achando que já havia vivido de tudo, mal sabia que, em uma dessas caminhadas, a vida lhe marcaria mais uma vez. Em uma tarde, enquanto fazia uma dessas caminhadas, avistou uma moça em um viaduto. Achou aquilo estranho, mas continuou andando. Foi quando ela estava prestes a tirar a própria vida, que Luiz conseguiu segurá-la. Ao chegar a sua casa, comentou com a família sobre o ocorrido e percebeu que, mesmo não estando no exercício da profissão, a vida ainda lhe testava sobre a capacidade de resgatar pessoas em diversas situações.

Pai de três, Luiz sempre foi muito presente na vida dos filhos, Thiago, Luciano e Fabiano. Por isso, sempre os uniu a sua outra paixão: o futebol. Thiago Flores, o caçula, lembra dos jogos do Corinthians Prudente, aos domingos, que sempre ia assistir com o pai. Às vezes, na companhia dos outros irmãos, mas, na maioria das vezes, iam apenas os dois.

Thiago recorda que também saíam pela região, para disputar campeonatos de futebol pelo time do Corpo de Bombeiros. Além disso, os jogos na TV também nunca eram perdidos; fosse do poderoso Timão, dos clássicos europeus ou, até mesmo, as disputas das séries B, C e D. Esse era um dos tantos momentos de felicidades.

Mesmo tendo saído de casa após ter passado em um concurso, o filho caçula diz que, mesmo na fase adulta dos filhos, Luiz sempre esteve presente, dando todo tipo de assistência. Por ser um idoso muito ativo e com muita lucidez, com frequência levava os netos à escola, cuidava da sogra, da casa e da esposa; e estava sempre disposto a ajudar quem precisasse, com o típico sorriso no rosto. Uma de suas outras felicidades era ir à chácara que possuía para fazer a sua “superfeijoada”.

Desde que o filho Thiago foi morar em Brasília, adorava ir visitá-lo. Nesses encontros, o ponto alto das programações era o passeio dos dois com uma cachorrinha. Isso rendia longas caminhadas!

As viagens, com a esposa Edna, também eram frequentes. Sempre participavam de excursões, de eventos religiosos e, na mala traziam a construção de memórias a dois, que hoje fazem lembrar que tudo valeu a pena.

Preocupado com o futuro dos filhos, Luiz continuamente incentivou a educação deles. Thiago começou a trabalhar muito novo, mesmo ainda cursando o ensino médio no período da noite. Quando resolveu prestar o vestibular da Unesp para o curso de Matemática, não teve muita esperança quanto à aprovação na prova. No dia do resultado, Luiz viu a classificação antes do filho e, quando chegou à farmácia, em que Thiago trabalhava, para dar a notícia, o pai chorou ao dizer que o caçula havia sido aprovado no vestibular. Aquela foi a segunda e, última vez na vida, que Thiago viu o pai chorar.

Como toda pessoa que passa por este mundo, Luiz deixou uma lição, um legado: humildade.

Para os filhos, o respeito que o pai tinha por todo tipo de pessoa, moldou suas personalidades e contribuiu para que hoje tentem ser seres humanos melhores na sociedade.

Luiz nasceu em Presidente Prudente (SP) e faleceu em Presidente Prudente (SP), aos 69 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Luiz, Thiago Flor. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Izabelly Fernandes, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 4 de julho de 2020.