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Luiz Manoel do Nascimento

1965 - 2020

Eclético e dotado de excepcional bom humor, Luiz foi o alicerce da família.

Vida não é coisa que se projete, é verdade. Mas quando se constrói amor, uma magnífica fortaleza se impõe, mesmo que tijolo por tijolo. E a vida de Luiz Nascimento foi, de fato, uma grande construção. Do projeto ao acabamento – precoce –, o homem da família parecia guardar o segredo de desempenhar inúmeras funções. E as cumpria muito bem.

A primeira delas foi como filho. Nascido em Amaraji, cidade do interior do Pernambuco, aos oito anos desceu o Brasil e chegou a São Paulo com os pais e os irmãos. Primogênito, Luiz sempre ajudou os pais, desde a lavoura no interior, até cuidar dos mais novos enquanto eles trabalhavam.
Aos 12, começou a desbravar a capital paulista.

Trabalhou como entregador na Tabacaria Central, na rua Tabatinguera, onde Sr. Luigi – dono do estabelecimento – era por vezes patrão, por tantas outras seu padrinho na nova cidade. Andava para cima e para baixo. Conhecia as ruas e as ladeiras do Centro Velho como ninguém.

Aos 15, o bom papo e a gentileza de Luiz encantaram Sônia, aquela que seria sua eterna namorada e mãe de seus dois filhos. Aos 18, serviu ao Exército e, assim que deixou os plantões militares, pediu a ex-colega de escola em casamento. Ali, dava início ao mais novo papel: marido.

Foram quarenta anos de muito amor, batalha, parceria e cumplicidade. O que lhes faltavam de condições no início do relacionamento, eles tinham de determinação e garra. Juntos, conquistaram a casa própria, construída com muito esforço, além de alguns outros bens. Mais que isso, acumularam momentos de felicidade.

Instalado em Cotia, Luiz finalizou o ensino médio por supletivo e dedicou-se a especializações técnicas que o permitiram mais de trinta anos de carreira na profissão que amava, mecânico na indústria farmacêutica. Além dessa, desenvolveu habilidades em outras áreas que lhe renderam alguns bicos em dias mais tranquilos. Todo empenho tinha finalidade: a esposa e os filhos.

A função de pai ele desempenhava com maestria. Com o mais velho, compartilhou o amor pelo automobilismo e a carreira técnica, além da admiração por Ayrton Senna. Foram muitas manhãs de domingo – e até madrugadas – repletas de corridas de Fórmula 1. A melhor lembrança é a de um domingo, no autódromo de Interlagos. Ainda que no futebol fossem rivais – Luiz era Corinthians e o filho, Palmeiras – na vida eram melhores amigos. Boas memórias.

Com a caçula, também conhecida como “filhinhas”, que herdou boa parte de sua personalidade, gostava de assistir filmes que classificava como “filmes de sessão da tarde”, por serem, em sua maioria, de comédia romântica. O preferido, sem dúvidas, era o "O Auto da Compadecida", que lhes renderam ótimos jargões para uso no dia-a-dia, pois de tanto assistir, decoraram as falas. “Não sei, só sei que foi assim” era um deles.

Com a família, sua razão, também gostava de ouvir de tudo. Eclético que era, inspirou o nome da cachorrinha Madonna, que infelizmente não chegou a tempo de conhecer o “avô”. Era também um tio daqueles, a animação dos almoços em família, assim como um sogro sensacional para Andressa e Danilo.

Bem-humorado, Luiz sabia das coisas. Entendido de que era o alicerce da casa e que precisava se cuidar, seguiu orientações médicas e fazia caminhadas regulares, que logo deixaram de ser uma obrigação e se tornaram um momento de prazer matinal.

Aos finais de semana, se animava com a possibilidade de poder fugir para conhecer novos lugares, de preferência que tivesse mato e tranquilidade, para respirar outros ares. Os Nascimento chegaram até a comprar um terreno onde passariam os finais de semana com cerveja e churrasco. Seus filhos, formados em arquitetura e engenharia, elaboraram o projeto ideal para o reduto da família.

Infelizmente, a casa não ficou pronta a tempo.

Mas, as lembranças daquele homem alegre, parceiro e disposto, ainda estarão presentes. Sua fortaleza segue mais forte do que nunca.

Luiz nasceu em Amaraji (PE) e faleceu em Cotia (SP), aos 55 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido Filha de Luiz, Caroline Mota do Nascimento. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Lucas Eduardo Soares, revisado por Daniel Schulze e moderado por Rayane Urani em 16 de agosto de 2020.